*Rangel Alves da Costa
Nos dias de hoje, a cada esquina de rua de
Poço Redondo, no sertão sergipano, o caminhante acaba encontrando um parente de
cangaceiro ou de coiteiro. Certa feita disseram que em Poço Redondo quem não
era cangaceiro era coiteiro. E não há nenhum absurdo em tal afirmação. Era
quase assim mesmo. Na pequena povoação e na vastidão de seus arredores, grande
parte da população ou estava junto com Lampião ou a seu serviço.
Mais de trinta e quatro mocinhas e rapazes
fizeram parte do bando do Capitão Virgulino. Mas um número indescritível de
poço-redondenses fez parte do rol daqueles que, mesmo não seguindo os passos do
cangaço, intermediavam o bem-estar, a segurança e a proteção dos cangaceiros.
Estes eram os coiteiros.
Como diz o outro, coiteiro em Poço Redondo
teve de “ruma”, e cangaceiro teve de “montão”. Acaso alguém se debruce sobre as
raízes familiares destes sertões do Velho Chico, das terras de China do Poço e
de Zé de Julião, dificilmente não encontrará um parente que foi cangaceiro.
Minha família paterna, a família Marques, por exemplo, contou com dois
cangaceiros: Zabelê e Correnteza. Já minha família materna, do tronco dos
Alves, teve a cangaceira Dinda como sua representante.
Manoel Marques da Silva, o Zabelê, era irmão
de minha avó Emeliana. Alcino Alves Costa, meu pai, filho desta, era, portanto,
sobrinho do cangaceiro. E eu, então, um sobrinho-neto. Este Zabelê foi,
certamente, o último dos três Zabelê que existiram do bando de Lampião. E assim
porque o Zabelê dos Marques de Poço Redondo estava em Angico naquele fatídico
dia 28 de julho de 1938, quando Lampião, Maria Bonita e mais nove cangaceiros
foram mortos pelas forças volantes. E não haveria como ter surgido outro Zabelê
pós-Angico.
Manoel Marques, o Zabelê de Poço Redondo, foi
um dos sobreviventes à chacina. Contudo, até hoje a família jamais soube de seu
paradeiro após a fuga. Era o segundo homem dos onze filhos de Antônio Marques
da Silva e Maria Madalena de Santa (Mãe Véia), sendo oito mulheres, dentre as
quais minha avó Emeliana. Cangaceiro com nome de passarinho, quando fogo de
Angico começou a zunir por todo lugar, então bateu asas e voou. E voo tão
apressadamente alto que até hoje é desconhecido seu paradeiro. Já nos céus, na
terra, ninguém sabe.
Outro parente meu, pelo lado de meu pai
Alcino, foi o cangaceiro Correnteza, de nome Joaquim Marques da Silva.
Correnteza era primo “carnal” de Zabelê e, como quase todos os poço-redondenses
que foram para o cangaço, acabou servindo ao subgrupo de Zé Sereno (companheiro
de Sila, também de Poço Redondo). A admissão de tantos filhos de Poço Redondo
neste subgrupo parece ter apenas uma explicação: Sila. Esta era uma espécie de
Maria Bonita no subgrupo do companheiro. Igual à companheira de Lampião,
certamente também possuía muito poder de mando junto a Zé Sereno. Daí chamar
seus conterrâneos para o seu lado.
Correnteza, ao contrário do que se imagina, não
nasceu em Porto da Folha, mas nas terras da família Marques já na povoação de
Poço Redondo, na Lagoa de Dentro ou arredores. Seu pai era irmão de meu bisavô
Antônio Marques. Diferente de seu primo Zabelê, Correnteza não suportou as
agruras do cangaço e fugiu do bando enquanto estava acoitado na fazenda Boa
Lembrança, em Poço Redondo. Da fuga desesperada, só retornou ao sertão
sergipano após a morte do Capitão. Sabia o seu destino acaso fosse encontrado
pela cangaceirama.
Já a cangaceira Dinda, que certamente possuía
outro prenome e Alves Feitosa como sobrenome, pois filha de Presentino Alves e
Eutímia Feitosa, sendo seu pai irmão de meu avô Teotônio Alves China (o China
do Poço Redondo), foi uma das sete mulheres de Poço Redondo que enveredaram no
mundo carrasquento dos cangaceiros: a própria Dinda, Sila, Adília, Enedina, Áurea,
Rosinha e Adelaide.
No cangaço, Dinda foi companheira de Delicado
(João Brás de Souza, ou João Mulatinho, irmão da cangaceira Adília), também de
Poço Redondo. Os dois jovens sertanejos eram noivos quando João Mulatinho
resolveu seguir Lampião. Sua noiva Dinda não suportou a saudade e pediu-lhe
para fazer companhia naquela vida de ilusões, desilusões, dores e sofrimentos. Estava
no Angico durante o fogo matador. Os noivos, contudo, restaram salvos da
terrível chacina.
Assim, relatos sobre uma parentagem que fez
parte da saga cangaceira. Depois de seus feitos e de suas partidas, restou aos
que ficaram a guarda de suas memórias. Memórias cangaceiras, é verdade. Mas,
acima de tudo, História. Há gente que não gosta de ser reconhecido com tal
parentesco. Mas um vínculo que não pode ser afastado por um desejo próprio. Que
se honre ou não a afinidade familiar, o que não se pode ocultar é a verdade
desde muito enraizada.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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