*Rangel Alves da
Costa
Anoitecer
normal, noite com seu percurso de jantares ou arremedos, noticiários, novelas e
proseados, até o passar das horas e chegar o instante dos recolhimentos.
Preces, orações, leituras por cima da cama, uma música ao ouvido, tantas vezes
tristeza e solidão. Insônia em uns, cochilos em outros, adormecimento total na
maioria.
A noite se
prolonga com seus intervalos de saudades, lágrimas, amores, sonhos, fome e
sede, inusitados e pesadelos. Na madrugada adentro é que o sono parece chegar
mais pesado. Contudo, não demorará muito para o galo cantar, o relógio da
igreja despertar, a primeira alva do dia surgir pela fresta da janela ou no
telhado quebrado lá em cima. Também nos relógios, despertadores, nos instintos próprios
de cada um.
Contudo,
aquela noite foi longa demais. Até eterna, como afirmaram depois. Gente que
abriu o olho no meio da escuridão achou tudo de uma estranheza sem igual. Tudo
escurecido, puro negrume. O relógio havia parado sem qualquer explicação.
Adormeceu novamente na expectativa de já despertar com os primeiros sinais da
manhã.
Dormiu
profundamente e acordou num pulo. Não deveria ter dormido tanto, mas olhou de
canto a outro e a mesma escuridão da noite mais fechada. O relógio não saía do
lugar, o galo não cantava, não havia nenhum barulho próprio do amanhecer. Quem
abriu a janela só avistou a lua brilhando lá em cima. Os grilos continuavam com
seus barulhos noturnos.
Com todo
mundo estava acontecendo o mesmo, com essa noite que parecia não ter fim e uma
manhã que nem dava sinais que logo mais iria surgir. Muita gente, porque já
havia dormido o suficiente ou porque tinha certeza que já devia levantar, saiu
da cama quase que para acordar a manhã, chamá-la, fazê-la existir.
Mas nada
da luz da manhã aparecer. E o pior que a escuridão parecia ainda mais fechada e
noturna. Em todo lugar, a madrugada vem trazendo consigo uma cor diferente, um
sombreado que aos poucos vai clareando. Contudo, era noite sem madrugada e sem
qualquer sinal que a manhã teria de acontecer.
E
realmente não aconteceu. Os relógios recomeçaram seu funcionamento normal, os
minutos passavam, a hora matinal já sendo marcada, porém nada de qualquer luz
do alvorecer. Um desespero total entre todos, pois todos já haviam despertado e
levantado e agora procuravam, espantados e amedrontados, uma explicação para
aquilo tudo.
Queriam
saber por que a noite não ia embora, porque aquele negrume fechado não se
findava de vez, porque a escuridão continuava tomando o lugar do despertar da
natureza, do canto dos pássaros, das janelas abertas, dos primeiros de sol.
Queriam principalmente saber se aquele acontecimento logo passaria ou seria
prolongado. E se a noite não fosse mais embora e a manhã jamais voltasse a
brilhar?
Então
começaram as preocupações mais acentuadas, as lágrimas, os desesperos, as
tristezas, as agonias, as aflições. Gente ajoelhada orando, de mãos dadas em
rogos e promessas, debruçada pelos cantos imaginando o pior. Uns diziam que era
o fim dos tempos, outros afirmavam que o pecado do homem havia provocado aquele
eclipse eterno.
Uma
multidão nas portas, janelas, calçadas, no meio das ruas, nas praças, em todos
os lugares. Palavras, gritos, murmúrios, soluços, um desespero total. Olhando
para o alto, implorando por um pouco de luz da manhã, gritavam e repetiam que
juravam jamais deixar de aproveitar o melhor que as manhãs pudessem oferecer e
a luz do dia permitisse realizar para o bem de todos.
Uns
falavam em regar os jardins todas as manhãs, em fazer as orações matinais, em
colher frutos para distribuir com os pobres, em semear a terra e fazer o bem
desde o amanhecer. Outros diziam que iriam transformar totalmente suas vidas,
aproveitando cada instante de luz que a vida lhes oferecesse. Já outros, em
total desespero, revelavam abertamente seus pecados e crimes, e ajoelhados
afirmavam que nunca mais trairiam, roubariam, mentiriam ou injustamente
difamariam o próximo.
O alvoroço
era tanto que quase ninguém percebeu quando uma nuvem se abriu e um pedaço da
luz da manhã começou a brilhar. Depois disso foi uma festa só. E quando o
amanhecer surgiu completamente, lindo e inspirador, cada um tomou o seu rumo,
deixando para trás as promessas feitas.
E tudo
voltou à normalidade entre as pessoas, com os mesmos ódios, pecados e
desperdícios da grandiosidade da vida.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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