SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 7 de abril de 2013

“VAI CHOVER E NÃO TEM LENHA...” (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


“Vai chover e não tem lenha”, dizia a mulher tomada de aflição. Mas poderia estar gritando, falando com seus botões, num proseado qualquer ou segredando a alguém. E isso porque chover e não ter lenha significa muita coisa, muito além do que qualquer um possa imaginar.
Ora, vai chover e não tem lenha pode significar um inevitável acontecimento sem que a pessoa esteja preparada. De repente vai bater a porta, vai chegar, vai acontecer, e não há nada que se possa fazer para ser de outro jeito.
Também pode expressar uma oportunidade que conscientemente vai ser perdida. Alguém tanto sonhou, tanto desejou que algo acontecesse, e quando acontece não será capaz de usufruir. A roupa bonita chegou e sabe que não pode comprar; tanto que planejou a viagem, mas não poderá fugir de uma responsabilidade muito maior.
Chover e não ter lenha denota ainda desesperança, impotência, sensação de impossibilidade, desprezo, carência, pobreza. Por mais que a pessoa saiba que os tempos serão ainda mais difíceis se não tomar uma atitude agora, ainda assim permanece na inércia e na certeza que tudo será realmente pior.
Mas aqui buscarei ressaltar a forma mais usual e costumeira que se dá à expressão “vai chover e não tem lenha”. Quem é sertanejo, e de mais idade, certamente já ouviu tal expressão. E é usada exatamente para dizer que é preciso correr para o mato e catar toras e pedaços de pau porque logo vai cair chuvarada e o fogão de lenha ficará sem seu combustível.
Os mais jovens, moradores dos centros urbanos e que nem conhecem a realidade da pobreza que habita mais adiante, não imaginam como seja a angustiante vida nas taperas e casebres, na eterna e incansável luta pela sobrevivência, realmente não sabem o que seja um fogão de lenha com uma panela velha e quase vazia por cima.
Nas cidades, atualmente será raridade encontrar uma casa sem fogão a gás e que tenha o fogão de lenha como uma maneira de preparar alimentos. Algumas residências ainda mantêm fogões nos quintais, mas apenas para o cozimento de uma comida mais custosa de preparo, como doces e paneladas.
Muito diferente do que ocorre nos lares empobrecidos à beira das estradas, nos descampados e escondidos no meio das brenhas mais distantes. Nestes locais, aonde até o fogão a gás dificilmente chega pelo preço e pelo custo do gás, bem como pela falta do que cozinhar, não há outra saída senão recorrer ao mesmo fogo usado desde os tempos das cavernas.
Contudo, não basta ter o fogão no chão do quintal ou mesmo num elevado de barro na cozinha se não houver com o que acendê-lo. E também pelo preço e acessibilidade, na maioria das vezes despreza-se o carvão para utilizar somente a madeira, a lenha. Mas também não é toda lenha que se presta para acender fogão, pois a mesma tem de estar sequinha, daquelas que estalam com o sol escaldante.
Daí porque a lenha é tão importante para o pobre, para aquele que só pode dispor do combustível vegetal para acender seu fogão e nele cozinhar seu feijão com toucinho, seu cozido de preá, qualquer alimento que possuir. Mas seja o que for que coloque na panela, certamente a comida ficará infinitamente mais saborosa que a preparada em fogão a gás, seja ele o mais chique e caro que exista.
Tem-se, assim, que nas moradias dessas carentes famílias não pode faltar lenha, e de jeito nenhum. Como moram próximos ou mesmo ao lado da mataria tudo fica mais fácil, pois basta que alguém vá até lá e procure a madeira adequada para a chama e o braseiro. Adequada porque não adianta madeira verdosa nem tronco largo. Madeira pra fogão tem de ser lenha mesmo, ou seja, aqueles pedaços ressequidos pelo sol, pequenas toras de árvores mortas que se espalham pelo chão, gravetos maiores.
Geralmente as famílias mantêm um estoque de lenha em local protegido da chuva. A cada dia, basta seguir até ali e pegar um punhado e depois acender o fogo. Mas se de repente faltar? Ora, se de repente faltar alguém vai ter de catar lenha nos arredores, na mataria. E é bom que faça isso logo antes que comece a chover. Caiu chuvarada e a lenha fica imprestável.
Por isso mesmo que ao sair no quintal e olhar para as nuvens carregadas, em tempo de despejar meio mundo de água, a mulher logo grita para o marido ou o filho: “Corre, corre que vai chover e não tem lenha!”.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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