SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 3 de agosto de 2015

NADA ALÉM DO QUE SOU


Alves da Costa*


Não sou além do que sou. Sou o contentamento que sempre me aconselha a conhecer meus limites e desejar ser apenas aquilo que posso ser.
Não sou além de mim nem de ninguém. Sou o corpo, a mente, a alma, o espírito e essa chama chamada vontade de vida. Do outro apenas compartilho o que a mim pode somar.
Não sou além do fogo e da água, do sonho e da desesperança, da vitória e do recomeço. Desta contradição ou reconhecimento, sempre o alimento para renascer.
Não sou além daquele que não me conhece ou do conhecido que quer ser mais do que sou. Faço da humilde um reconhecimento e dos pés no chão a certeza que posso ter asas.
Não sou além da lua nem do sol, mas sou muito além da lua e do sol. Sou o que desejo ser e se quero ser além dos astros, nada me impedirá de buscar a alegria da ilusão.
Não sou além da fome nem da sede, nem da carência e do desejo. Humano sou, e por ser assim, um tanto desvalido e um tanto tudo, não nego a necessidade de ter algo a mais.
Não sou além daquele mais empobrecido ou daquele mias rico. Permaneço no próprio chão e se tiver de caminhar, certamente será na direção daquele que mais precisa.
Não sou além duma manhã de poesia nem de uma noite dilacerante. Tudo me soma e me conforta, me faz sorrir e sofrer, me faz aprender a ser aquilo que necessito ser.
Não sou além daquele pássaro de fogo nem daquele colibri procurando beijar o pólen. Não fujo nem de angústia nem da flor, faço do espinho uma beleza que faz ferir e doer.
Não sou além de uma criança que sequer pensa em crescer. Não deixo que a minha mente pense somente em coisas adultas e se esqueça da bola de gude, do boizinho de barro.
Não sou além da lágrima que pela face escorre nem do lenço que recolhe a dor. Sou a face molhada que não finge o sentimento, mas também o refazimento para mais chorar.
Não sou além de um mar imenso, de ondas teimosas, de distâncias infindas. E navego sem saber navegar, me lanço no azul sem saber nadar, pois há sempre uma ilha de salvação.
Não sou além dessa tristeza que me chama a sofrer, a chorar, a beber do fel da existência. Não serei alegre se não fizer do espelho da dor uma imagem de transformação.
Não sou além da chuva caindo, das noites de temporal. Não posso fugir das enxurradas, dos dilúvios. Mas hei de suportar todo furioso mar que vier como sofrimento.
Não sou além do pão de esmola ou da comida servida à boca faminta. Não sou além dessa degradação do ser. Eis que o que somos não nos faz distantes da mesma carência.
Não sou além de mim mesmo quando quero ser outro. Como tenho o outro dentro de mim, basta-me que reconheça no que sou aquilo que no outro desejaria encontrar.
Não sou além da taça quebrada e do vinho derramado pelo tapete. O vermelho que jorra me faz lembrar quanto vã é a vida. E só se derramou porque houve exagero no saborear.
Não sou além do sonho alcançado nem da esperança nas cinzas. Tudo haverá de acontecer, mas não no instante do desejado. Há o tempo de Deus que é o tempo de tudo.
Não sou além do grão ou da montanha. Não sou além da poeira nem do deserto em brasa. Sou apenas o vento que passa e leva consigo o grão para montanhas construir.
Não sou além desse silêncio, dessa solidão ou desse vazio. Tudo será preenchido com vida e voz assim que a janela se abrir e o cais adiante murmurar um chamado de existência.
Não sou além de um poeta sem versos ou de um bardo apaixonado declamando em meio a brumas. Sei que não há poesia sem que haja um coração que ouça o seu silêncio.
Não sou além desse alguém sem nome, sem identidade, sem destino certo. Quem caminha vai deixando pra trás o que não quer mais ter e sonha com um amanhã só seu.
Não sou além dessa palavra vazia nem desse grito mudo. Mas sei que do silêncio saio para ser voz naqueles que compreendem quanto angustiante é a mudez da solidão.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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