*Rangel Alves da Costa
A geografia foi generosa com Poço Redondo.
Suas terras divisam de um lado com a Bahia, na Serra Negra pedro-alexandrina, e
do outro com as Alagoas dos Marechais (Pão de Açúcar e Piranhas), do outro lado
do Velho Chico, além dos limites sergipanos interiores. Na parte costeira ao
rio, nada menos que quatro povoações fazem parte das ribeiras poço-redondenses:
Bonsucesso, Curralinho, Jacaré e Cajueiro.
Uma verdadeira dádiva sagrada que as terras
poço-redondenses sejam tão abençoadas pelas águas do São Francisco. Desde
Bonsucesso a Cajueiro, entre serras e entre montes, em meios às margens e
arenosas, eis que brotam aquelas vidas tão singelamente pacatas e tão próprias
das comunidades ribeirinhas. Pacatas no sentido da simplicidade no viver, da
humildade na sua gente, dos singelos costumes e das tradições que ainda
insistem em permanecer. Uma verdadeira benção.
Verdade que os anos foram sendo cruéis com os
ribeirinhos. Curralinho, por exemplo, de primeiro porto a importante centro
comercial, aos poucos foi simplesmente empobrecendo. Quando as principais
famílias se retiraram para a cidade, somente aqueles habitantes mais enraizados
- e também desfavorecidos - foram ficando por lá. Uma situação diferente, contudo,
das demais povoações nas vizinhanças. Como não houve nenhum apogeu em
Bonsucesso, Jacaré ou Cajueiro, as mudanças foram muito menos sentidas. Em
Bonsucesso até houve um sensível crescimento.
Fato peculiar nestas povoações diz respeito
aos modos de ser e viver que parecem nunca mudar, principalmente com relação
aos mais velhos. Também não há como mudar muito, conforme diz o visitante. A
vida ribeirinha sempre foi mansa, simples, como se o povo vivesse também no
passo remansoso das águas, na calma dos dias e no compasso das sortes da vida. Ali
o pescador sem quase ter o pescar, ali o canoeiro sem quase ter o que remar,
ali o pequeno agricultor sem quase ter o que plantar e colher ante as terras
íngremes e pedregosas das ribeiras.
Noutros idos, agora tão saudosos quanto as
despedidas, a povoação ribeirinha vivia na alegria das chegadas e partidas das
grandes embarcações. As cadeiras eram colocadas nas calçadas altas e os olhares
viajavam no vai e vem das águas e das carrancas. A todo instante despontava uma
canoa de tolda, uma chata, um vapor. Uma festa ao olhar. Mas hoje, depois que o
rio emagreceu e as águas perderam volume e força, colocar uma cadeira na
calçada para avistar o rio é o mesmo que abrir diante de si um álbum
angustiante de saudade. Como diria o velho pescador: joga rede n’água que vai
lavando a mágoa!
Sim, a rede continua sendo jogada, lançada às
águas, mas retornando sempre no vazio da desesperança. Cadê as piabas, os
peixes miúdos e que tanta fartura se estendiam sobre as mesas? Como coisa de
não acreditar, mas tantas vezes os peixes só chegam à mesa ribeirinha
são-franciscana acaso trazidos das grandes barragens, aquelas mesmas que tanto
engoliram suas águas. Hoje as canoas e pequenas embarcações adormecem na
melancolia do cais. As redes e tarrafas servem de saudoso enfeite nas varandas
e paredes das casas tristes. As calçadas altas ficam desalentadas ao
entardecer. Os lenços se abrem e do rio da vida vão descendo as lágrimas.
O que resta do rio, o que resta da vida
ribeirinha? Felizmente nem tudo acabou, nem tudo morreu. As lavadeiras ainda
levam suas trouxas para as beiradas e lá reproduzem ofícios repassados de
gerações a gerações. Lavam as roupas como suas bisavós lavavam, batem suas
roupas como suas avós batiam, estendem suas roupas como suas mães estendiam. Um
espetáculo maravilhoso é o das lavadeiras do Velho Chico. E na voz ainda a
velha canção de uma saudade distante:
Velho, meu Velho Chico
chame Francisco pra ajudar
eu trouxe a sujeira do mundo
e só sendo do céu pra lavar...
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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