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sábado, 16 de maio de 2020

A MESA E A FOME



*Rangel Alves da Costa


Em meio à natureza, no seu habitat natural, o bicho até pode emagrecer demais por carência de alimentos, porém nunca será visto em situação de sobrepeso ou de obesidade. Grandes, largos, corpulentos, mas jamais pelo excesso de gordura, e sim pela própria compleição física de cada espécie.
Contudo, quando o bicho é caçado pelo homem e passa a viver em ambiente doméstico, logo perderá seu aspecto físico natural. E assim ocorre pelo fato de ser alimentado da forma que o homem faz na sua alimentação: exagerada, gordurosa, desequilibrada. O resultado será uma obesidade contrastante com a normalidade do bicho.
O porco, por exemplo, jamais alcançaria um exagero de quilos, de modo até a não poder mais caminhar, acaso seu ambiente de vida fosse distante do homem e seu chiqueiro tomado de restos de alimentos da mesa, lavagens, rações gordurosas e produtos químicos próprios à engorda. É criado assim por que quanto mais banha alcançar mais presumidamente gordo será, e com isto vendido pelo peso.
Noutra situação, um porco do mato é todo esguio, esbelto, na grandeza e na largura apropriados ao seu tamanho. Não existem lobos gordos demais nem elefantes obesos. Não existem guaxinins fora de forma pelo peso ou onças com sobrepeso. Mas basta que a onça seja domesticada num circo, por exemplo, e toda sua estrutura biológica e química será transformada.
O animal, seja leopardo, raposa, tigre ou hiena, come apenas na sua medida. É a sua fome que vai medir o tamanho de seu prato. Mas não com o exagero humano de ingerir cada vez mais alimentos sem qualquer necessidade, sempre forçando dilatação de seu estômago e consequentemente a obesidade. Já o animal se contenta em apenas se alimentar, não forçando nada além daquilo que seu estômago pede.
Uma ilustração. De repente um tigre, sempre à espreita de sua presa, sai de seu esconderijo e corre em disparada em direção a um lobo. Veloz, atroz, levado pela necessidade de alimento e pela fome que está sentindo, num bote avança sobre a presa e prega seus dentes afiados no pescoço do indefeso animal. Daí em diante, e rapidamente, grande parte do lobo é devorado. Quando está saciado, ou deixa os restos para outros animais ou arrasta para algum esconderijo nos arredores. Será a garantia de uma comida posterior.
Não se observa, contudo, o tigre forçando a ingestão de mais e mais alimento. Acaso fosse assim, ali ele permaneceria para roer até os ossos. Assim ocorre com os demais animais, cuja fome faz devorar suas presas, mas sem fazer disso um desperdício na sua mesa natural. Ademais, não é uma questão de apenas matar o outro animal pelo prazer de sangrar sua jugular, mas de necessidade de sobrevivência, de uma imperiosa necessidade de se alimentar para recompor suas forças e se proteger dos avanços de outros predadores.
Mas o que ocorre com homem na sua dieta? Totalmente o inverso do coelho, do tamanduá, da girafa, da lebre, da zebra, do elefante, do lince, do leopardo. Perante a mesa, ante sua gula infinita, o ser humano é um descontente por natureza. Parece mesmo que a sua gula é tão doentia quanto o alimento que ingere. Geralmente, não há limitação do homem perante o que lhe é disposto enquanto alimento. Quer mais e sempre mais, come mais e sempre mais.
Somente quando o alimento é escasso ou pouco mesmo, situação em que não pode desejar sequer um tiquinho a mais e muito menos repetir o prato, é que o homem se dá, forçosamente, por satisfeito. Mas não quando a comida é farta, quando a mesa é grande e as carnes e os mexidos são muitos e variados. Enche o prato, come de se lambuzar, sempre coloca mais e parece até querer chorar quando já não lhe cabe mais nem uma perna de frango. Despede-se da mesa tristonho, cheio demais, largo demais, esbaforido por dentro e por fora, mas prometendo logo voltar. E volta mesmo. Não espera nem a digestão se completar e novamente já estará enchendo um prato.
Como observado, na forma de se alimentar também uma grande diferença entre o bicho e o homem. O animal é comedido, é educado perante sua mesa e seu alimento. Quando o cachorro é gordo demais, assim o é pela mão humana, que lhe empanturra do que não presta. Assim como faz a si mesmo, devorando tudo pelo prazer da gula, acha que o seu bicho doméstico também deve ter sua doentia obesidade.
Bastaria que se mirasse na dieta dos bichos. Alimentar-se por que é preciso, mas somente na medida da fome. Jamais esvaziar tudo que estiver adiante e encher tudo que estiver por dentro e por fora. E como resultado esse balofamento todo que se vê por aí, onde roupa não cabe mais e até a pessoa não cabe mais em si mesma.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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