SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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terça-feira, 25 de setembro de 2012

PALAVRAS SILENCIOSAS - 24

                           
                                        Rangel Alves da Costa*


“Não sei se você percebeu...”.
“O que?”.
“As folhas secas...”.
“Percebi sim. Ainda bem que as deixou ali, por enquanto...”.
“Quando as percebi espalhadas pelo chão senti uma sensação diferente...”.
‘Em mim também. Sensação de outono...”.
“De fim de outono...”.
“Não que seja dolorosa demais, pois é uma estação belíssima, mas o outono nos faz mais reflexivos...”.
“Principalmente se estamos num jardim, junto a um arvoredo...”.
“Aqueles cores, aquele aspecto...”.
“Cores solenemente recatadas, entristecidas; aspecto de partida, de despedida...”.
“As folhas perdendo o viço, a seiva, a cor...”.
“Perdendo a vivacidade, a força do farfalhar, o encantamento...”.
“Perdendo a magia da natureza...”.
“E repente o amarelo, o ocre, o cinza, o marrom, o desbotado, o ferrugem...”.
“E o medo do vento, das ventanias, dos vendavais...”.
“Até o medo do sopro mais forte, da brisa mais apressada...”.
“E que sensação ruim para a folha...”.
“Nada, nem o humano nem o ser da natureza, possui conforto ao pressentir o seu fim...”.
“Sensação e certeza, medo e realidade...”.
“É triste demais saber que o fim se aproxima, sentir a fragilidade no próprio corpo, sentir as forças esvaindo...”.
“E não poder fazer nada porque em obediência a uma lei da natureza, a um ciclo da vida...”.
“Será que elas sabem disso?”.
“Que enquanto folhas nascem para viver apenas até um ciclo se completar?”.
“Sim, brotar para viver, e nesse período alcançar o máximo, porque sua permanência na natureza tem dias contados”.
“Creio que não sabem desse destino preestabelecido. Seria cruel demais. Mas certamente conhecem quando o fim se aproxima...”.
“As fragilidades, nos homens e em tudo...”.
“Mas há um alento nesse sofrimento. Talvez não tenha nenhuma valia, mas serve como alento...”.
“Qual?”.
“A certeza que não padece sozinha, que não sofre sozinha...”.
“Sim. O olhar adiante e ao redor e perceber toda a folhagem com o mesmo semblante, as mesmas cores desbotadas, as magrezas, as finuras infindas...”.
“Mas dizem que o vento passa alertando...”.
“Já ouvi sobre isso também. Feito emissário da morte, vai passando e sopra dizendo que logo chegará a hora de ser levada...”.
“Que situação, que tristeza!...”.
“E também dizem que por isso mesmo as folhas começam a morrer mais cedo...”.
“Ouvindo a voz do vento, já fragilizadas, não suportam e despencam mais cedo...”.
“E é a partir deste momento que a aflição toma conta da folhagem...”.
“Verdade, pois surgem as perguntas, as indagações, os medos ganham assombros e voz...”.
“Uma caiu. Quem será a próxima?”.
“Uma já segue pelo ar, levada pelo vento. Quem será a próxima?”.
“O chão já começa a se encher de folhas mortas. Quem será a próxima a se juntar ali?”.
“Pelo ar, folhas esvoaçam sem vida. Será que já tenho asas?”.
“Então as folhas que estão ali chegaram nessa situação...”.
“Infelizmente...”.
“O vento levando, a janela aberta, e a entrada...”.
“Talvez estejamos num paraíso das folhas mortas...”.
“Então vamos eternizá-las?”.
“Se fosse possível. Talvez...”.
“Os livros não são eternos?”.
“Sempre serão...”.
“Então cada uma vai viver sua eternidade de folha dentro de livros”.
“Igualmente palavras forjadas na arte, serão também imortais...”.
“Vamos colocá-las em Jorge Amado, em Drummond, em Graciliano...”.
“Em Cecília, em Florbela...”.
“A poesia da folha...”.
“E que bela poesia!”.



Poeta e cronista
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