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quinta-feira, 13 de setembro de 2012

CAMINHANDO PELA AREIA, DESCALÇO... (Crônica)

                          
                                           Rangel Alves da Costa*


Inegavelmente, caminhar pela areia possui uma imensa gama de significações: pessoais, materiais, físicas, espirituais. Que ninguém se engane da força contida no simples gesto de colocar os pés descalços na areia e seguir adiante, ainda que em breve caminhada.
A própria areia carrega dentro e por cima de si uma força misteriosa surpreendente. Ela não é só uma substância mineral granulada que se espalha pelas estradas, não é apenas o conjunto formado por minúsculos grãos produzidos pela erosão ou fragmentação de rochas graníticas, siliciosas ou argilosas, que recobre os caminhos.
E não é porque traduz na junção dos seus grãos, no pó que se forma e na sua disposição por cima do solo, os elementos estabilidade, possibilidade e direção, mas sim porque permite, na sua estrutura e disposição, que cada passo do caminhante transmita toda simbologia da vida.
O simples gesto de colocar o pé descalço por cima da areia já transmite à pessoa uma sensação totalmente diferente. Muito diferente do pé calçado, repousado na borracha da sandália ou no couro do sapato. Não há interação alguma entre o elemento terra e os fatores físicos, psíquicos e espirituais. E tudo é mecânico, irreflexivo, insensível demais.
Dar o primeiro passo significa então estar assentado na força que faz da natureza geológica e humana um ser único, poderoso, total, pois despido de qualquer interferência entre o ser e a metafísica existencial. É o homem completo, inteiro, unido energicamente a terra e dela retirando a certeza que com ela se confunde; e também com a própria areia, com o mundo sedimentado nas partículas que há nos dois.
E o ato de caminhar, seguir em frente, adiante, deixando a sola dos pés em livre contato com a areia, sentindo sua força e energia, e com ela interagindo fisicamente, já passa a ter significados ainda maiores: a força e a luta, a coragem e o destemor, a necessidade e a precisão, a vontade e a motivação, o sentimento e o desejo.
Força e luta porque dependendo do caminho na areia, do lençol granítico que se estende, somente a intenção de alcançar um grandioso objetivo faz com que o indivíduo decida caminhar sem qualquer proteção. A coragem e o destemor porque, feito tuaregue nas escaldantes areias desérticas, dificilmente alguém seguirá descalço se souber que adiante estarão os perigos, os espinhos, as pontas de pedras, as incertezas próprias de qualquer estrada.
O ato de caminhar significa ainda a necessidade e a precisão porque os pés que se assentam na areia fazem isto porque não há outro jeito de seguir adiante, porque não há outra forma de seguir em frente, ou porque o momento não permite que seja diferente. Talvez a pobreza dos pés descalços, talvez os pés que não podem esperar um calçado, talvez os pés tendo de se ferir e machucar perante a necessidade de caminhar.
Também a vontade e a motivação, pois quem tem firmado consigo mesmo o compromisso de não ter temer o queimor da areia, os perigos do caminho nem a longa distância a percorrer, não pensa noutra coisa senão colocar os pés por cima de tudo, andar com satisfação e até correr. O mesmo se diga com relação ao sentimento e o desejo, vez que podem transformar uma difícil caminhada em algo enriquecedor para a alma e o espírito.
De que modo for, os pés nus que se lançam em caminhada, por cima da areia escaldante, da areia molhada da beira da praia, da areia entremeada de gramíneas do jardim, ou da areia recheada de dificuldades de tantos caminhos, jamais buscarão apenas pisar o chão com sua feição até chegar ao destino. O pisar e o chegar são o que menos importância terá após a pele encontrar o grão.
Na areia macia, o pé entra, se aprofunda, vai vencendo lentamente cada passo; na areia escaldante, os pés apenas tocam o chão como impulso para o passo seguinte; na areia firme, cheia de pedra e espinhos, os pés vão dançando, fazendo ligeiras curvas, até pisar em lugar menos perigoso. E assim também é no caminho de pedra, no caminho molhado, na estrada inundada, por cima da lama, diante da vida.
Talvez por mistério e encantamento, nunca há entristecimento nem dor durante a caminhada. A realidade só chega no ponto de chegada, quando areia e pé já se reconheceram como tão necessários à liberdade espiritual do ser humano.



Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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