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quarta-feira, 4 de setembro de 2013

AS PAIXÕES POLÍTICAS


Rangel Alves da Costa*


Um dos nossos poetas maiores, o sempre aplaudido Carlos Drummond de Andrade, em 1962 escreveu um poema onde tece acerca da instabilidade das relações, da mutação dos sentimentos, da vulnerabilidade dos seres, e também do inusitado nos relacionamentos. Tudo sintetizado nos versos de “Quadrilha”.
No dizer da crítica literária, “Quadrilha” se insere no contexto irônico e até cômico do poeta. Contudo, seus versos são também uma reflexão amarga sobre a fragilidade existente nos relacionamentos, sobre os desencontros amorosos e os achados pelos labirintos das buscas. Antecipando uma visão da realidade, atualmente se poderia entrever no poema a plena ausência de compromisso das pessoas e a facilidade com que mudam de atitude segundo a conveniência.
Neste sentido, ou seja, no descompromisso, na rápida mudança e na constante busca de realidades mais proveitosas, é que se vislumbra o seu contexto político. Pois o amor mutável é também metáfora para outras mudanças, principalmente aquelas que se fazem perante as conveniências e sem se importar nem um pouco com a ética ou com a negação dos outros. O proveito próprio é o que basta.
Eis os versos drummondianos: João amava Teresa que amava Raimundo, que amava Maria, que amava Joaquim que amava Lili, que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história.
Os versos mostram a repetência de amores frágeis, que se dissipam com a fragilidade das folhas outonais e diante da visão de outro possível amor. Tanto faz o que passou e até mesmo o existente, vez que o que se busca é uma nova realidade. E busca até encontrar aquilo que presuma ser o real e incontestável objeto de tanta procura. E mais uma vez a feição política: hoje no lugar e amanhã em outro, que já não será mais porque a conveniência diz que ali será melhor.
Tantas vezes nos deparamos com tais versos formatados ao contexto político. Por conveniência ou oportunidade, por negação de princípios ou despudoramento, com a simples intenção de proveito ou por mera manobra eleitoreira, o que se tem é um monte de político amando todo mundo e não amado ninguém. Este odiava aquele, e este nem queria ver a cara daquele, mas determinado momento político acaba tornando o ódio numa paixão ardorosa e duradoura.
Mas duradoura só até o momento seguinte ou até quando for proveitoso o relacionamento apaixonado. Passa a valer, então, o que diz outro poema, “Soneto da Fidelidade”, dessa vez de Vinícius: Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure. Quer dizer, a infinitude do amor político, da ardorosa paixão por conveniência, há de durar exatamente até o instante em que um deixar de atender os pedidos e anseios do outro.
Tal leitura pode ser feita tanto com relação aos políticos como aos seus partidos. A maioria dos políticos, como é do conhecimento de todos, possui o coração sensível demais, ama num repente, se apaixona fácil demais. Coisa triste é ver um político apaixonado por quem ontem lhe esbofeteou, denegriu, escorraçou. Mas tudo fingimento. Depois, dissimulando desilusão, corre aos braços de outro amor. Quer dizer, de tanto trocar de amor acaba vulgarizando seu sentimento.
E o mesmo se diga com aqueles partidos que sempre mandam flores para quem estiver no poder. E sempre na esperança de serem recompensados com um carinho aqui e outro ali. E não precisa nem entrar em detalhes sobre o que estou falando. Basta ver quantos enamorados vivem bajulando o poder em troca de uma aliança de compromisso, que outra coisa não é senão manter-se ajoelhado a seus pés.  
Ou algo como Sinfrônio amava o PPS, que trocou pelo PMN, mas se apaixonou pelo PSDB. Depois descobriu que amava o DEM, que logo desamou para amar o PSB. Não demorou muito e desfez a relação por amor ao PT, que se mostrou desinteressante ao conhecer o PSC. Mas depois de flertar com o PRB, PDT, PP, PRP e PV, acabou casando com a REDE, que não tinha entrado na história.
Ou ainda, Pedro amava Tião, que amava Josué, que não amava ninguém. Mas Pedro amou Josué, que amou Zequinha, que amou Porcínio. Desamado, Josué amou Simão, que fingiu amar todo mundo e jamais amou alguém. Novamente livre, Tião agora é amado por outros pretendentes, que ainda não tinham entrado nessa história.
E agora o mais importante. Usei os nomes acima para mostrar uma trama de amor e desamor que bem diz respeito a nomes conhecidos da política sergipana. Basta ver quem amava ontem e odeia hoje, e quem hoje é apaixonado por quem ontem odiava. Ou vice-versa, pois dá tudo no mesmo. Ademais, com relação aos políticos, o título dos poemas - “Quadrilha” e “Soneto da Fidelidade” - terá sido mera coincidência.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com  

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