SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 30 de setembro de 2013

SOBRE PÁSSAROS E CRUELDADES


Rangel Alves da Costa*


Nada justifica manter pássaros engaiolados, aprisionados, distantes das vastidões de suas moradias. Pássaro nasceu para voar liberto, para cantarolar nas alturas, para revoar ao entardecer e viver sua vida passarinheira como bem desejar. Pássaro nasceu para ter a natureza como moradia e ninho como lugar de repouso.
Pássaro é sinônimo de liberdade; seu voo expressa a possibilidade de caminhos sem limites ou fronteiras; seu canto significa o desvendar da paisagem que adiante avista. Seu pouso logo faz pensar no merecido descanso depois de um itinerário; a construção do seu ninho remete ao lugar seguro e confortável que todos precisam ter, inclusive os humanos.
Daí a certeza que nada justifica dar outro sentido ao viver em liberdade dos passarinhos. Muitos tentam justificar o amor que sentem pelos pequeninos para mantê-los encarcerados, forçando-os a trinar para o deleite de sentimentos inexistentes. Covardia, desumanização, desrespeito à natureza e suas espécies, perda absoluta do senso de liberdade. E que amor é esse que se expressa através da imposição do sofrimento?
Mas parece não ter mesmo jeito. As leis de proteção aos animais de vez em quando são aplicadas e gaiolas e pessoas são apreendidas, viveiros têm seus cadeados forçadamente abertos, criatórios são devidamente lacrados, mas ainda assim persistem as ações criminosas. E isto porque é de grande rentabilidade a comercialização de um pássaro cantador, principalmente se sua espécie está em extinção.
Ainda encontro muitos pássaros engaiolados pelas veredas do meu sertão sergipano. Pergunto a cada um por que mantê-los aprisionados se bastam poucos passos e já estarão na mataria ouvindo seus cantos e presenciando seus voos, mas nunca obtenho uma resposta satisfatória. Também não compreendo por que aumentam a dor dos bichinhos ao levá-los, todas as manhãs, para ser pendurados nas catingueiras ao redor.
Passam caminhando com suas gaiolas e se dirigem para além da cidade, sempre em busca de outros pássaros que estejam passeando ao amanhecer. Penduram suas gaiolas nas galhagens e ali deixam por uma ou duas horas. Dizem apenas que é para que tomem um merecido banho de sol em meio à natureza. Mas sei que não. O objetivo é outro, totalmente diverso e bem mais desumano.
Eis que conduzem os passarinhos até a mata simplesmente para que não entristeçam de vez na gaiola e assim percam todo gosto pela cantoria. Um passarinho triste e silencioso não vale nada, ninguém vai oferecer um tostão por um canário fúnebre, um sabiá melancólico ou um cabeça cabisbaixo e emudecido. E não somente isso, pois intencionam também reanimá-los diante dos companheiros em liberdade. Depois disso se tornam iludidos e cantarolam festivamente nas suas gaiolas. Assim imaginam os criadores.
Mas que coisa mais terrível e brutal. Colocar o pássaro engaiolado diante do outro em liberdade para que aquele, na ilusão do ânimo, da alegria e do voo deste, também faça o mesmo na sua prisão. Quer dizer, observando o canto, o bater asas, a vivacidade daquele que tem o horizonte como portal de tudo, do mesmo modo se anime e gorjeie na sua vida de enclausuramento.
Lamentável que assim aconteça. Ora, só mesmo o insensato e desumano criador para não perceber que tal atitude provoca sentimentos terríveis na pequena ave. Utilizando de uma bizarra ilustração, seria o mesmo que levar prisioneiros engaiolados para tomar banho de sol diante de seus lares. Ao invés de proporcionar alegria e encorajamento, logicamente que provocará uma sensação ainda mais terrível de aprisionamento, de perda da capacidade para a liberdade, de absoluta impotência.
E qual renovação espiritual pode ter um passarinho depois de alguns instantes diante daqueles irmãos que estão usufruindo de tudo o que a natureza possa oferecer, com seus voos, seus ninhos, seus amores, seus frutos, seus grãos, sua liberdade de canto e de repouso? Certamente voltará da natureza ainda mais ferido e triste.
E talvez até cante um canto novo, o mais belo que possa existir. Mas será o último cantar.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

Um comentário:

Ana Bailune disse...

Uma vez quiseram dar-me um canário. Eu disse que ia soltá-lo. A pessoa não me deu. Arrependi-me, pois não deveria ter dito nada.