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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 13 de setembro de 2015

CURRALINHO E UMA CASINHA LÁ DO OUTRO LADO DO RIO


Rangel Alves da Costa*


Há poucos dias atrás estive na povoação ribeirinha de Curralinho, um lugarejo de antigos pescadores e pequenos comerciantes às margens do Velho Chico, no município de Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo, sertão sergipano do São Francisco. Foi nesta terra sertaneja que orgulhosamente nasci.
Curralinho possui uma paisagem natural de indescritível beleza. Surgido nas ribeiras do Velho Chico, as águas passeiam adiante dos olhares extasiados dos visitantes e até mesmo dos moradores. Suas margens são entremeadas por serras, mas também por descampados nas proximidades do rio, e nos interiores uma vegetação tipicamente sertaneja, com abundância de catingueiras, umbuzeiros e cactáceas.
A povoação é igualmente de importância histórica fundamental no desbravamento do sertão sergipano. Curralinho nasceu de currais erguidos por colonizadores que chegaram aos sertões através das águas do São Francisco. A partir de suas margens os primeiros colonizadores foram vencendo os perigos da natureza inóspita e perigosa até alcançarem localidades outras onde fincaram habitações e expandiram criatórios e plantações.
Naquela época, não havia outro meio para se chegar ao sertão senão através do Velho Chico. Toda a região sertaneja sergipana era de mata fechada, de difícil penetração, sem quaisquer estradas ou caminhos. De Nossa Senhora da Glória em diante – por isso mesmo chamada de Boca da Mata – tudo o que havia respondia pelo nome de catingueira, umburana, facheiro, angico, aroeira, cipó, cobra, onça, tatu, mandacaru, preá, calango, umbuzeiro, pedra, espinho e tantas outras espécies e seres. Não havia sertão do sertanejo, mas apenas da natureza virgem, fechada, entrelaçada em si mesma, e seus habitantes nativos.
E quando aquela região de Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo começou a ser habitada foi exatamente através do Curralinho. Mas o destino de pedra fundamental parece não ter sido tão bom para a povoação/mãe. Mesmo continuando como porto de chegada e partida de muitas riquezas, o lugarejo foi perdendo força econômica quando os caminhos interiores do sertão foram sendo abertos e o rio deixou de ser a única opção para se chegar àquelas distâncias.
Daí em diante Curralinho começou a entrar em decadência e assim permaneceu por muito tempo, até ser novamente redescoberto como destino turístico. Mesmo antes desse renascimento, o simples fato de visitar a povoação ribeirinha já era motivo de inigualável prazer. Ali o rio ainda com seu belo leito, ora mais cheio ora mais acanhado; ali pedaços de uma pujante história não totalmente devastada pelo tempo nem pelo descaso do homem; ali uma cativante moldura natural e mista de nostalgia e reencontro com as imorredouras raízes.
Atualmente, a grande maioria dos visitantes chega a Curralinho no intuito de descansar e aproveitar da dádiva grandiosa das águas do rio. Poucos se preocupam em conhecer seus habitantes, visitar suas igrejas, contemplar as antigas construções ainda existentes e seus aspectos arquitetônicos. O único objetivo parece ser mesmo a beirada do rio com seus bares e águas azuis e convidativas para um mergulho. Muito pouco, mas menos mal que seja assim. O simples fato de proporcionar alguma renda àquela população já se mostra muito promissor.
Na última visita que fiz, tive a honra de estar acompanhado pelo amigo Djalma (Doutor de Iolanda) e Dayse. Logo na chegada, uma visita e uma reverência especial a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, num cume defronte à povoação. Caminhei rapidamente pelas ruas, visitei moradias, conversei com pessoas, fotografei, até chegar diante da Igreja de Santo Antônio, esta já voltada para o rio. E em seguida abracei o Velho Chico com toda ternura do mundo. Não só abracei como me lancei em suas águas como criança ávida por um bom mergulho.
E ali, na beirada do rio, olhando de canto a outro, eis que meu olhar se fixou no outro lado, num lugarejo chamado Pontaleão, já nas terras alagoanas. Algumas residências, árvores frutíferas, uma pequena localidade tipicamente ribeirinha. Tudo parecendo na paz de meu Deus, no sossego do Senhor, um verdadeiro encantamento. E fiquei imaginando o quanto seria bom viver ali ao lado rio, no silêncio das horas, no compasso do tempo. Armar uma rede, embalar os sonhos, ser apenas feliz.
Nesse passeio de sonhos, meu olhar afastou-se ainda mais para a beirada do rio, ainda do outro lado, e então avistou uma casinha pequenina, solitária, quase se molhando nas águas. Rapidamente perguntei se alguém morava ali e fui informado que não, pois servia apenas de ponto de apoio aos cuidadores de um viveiro que ali existia. Retornei de Curralinho sem esquecer aquela casinha. Na próxima visita seguirei até o outro lado do rio e tomarei posse dela, seja a que custo for. E nunca mais sairei de lá.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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