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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 5 de julho de 2016

É TUDO VERDADE


*Rangel Alves da Costa


Quando se diz que o poder tiraniza as pessoas, as embrutece e as torna mais arrogantes, não tenha isso como mero argumento opositor. É tudo verdade. Assim também com os governantes, os mandatários e todos aqueles que se imaginam num pedestal e em posição superior aos vassalos. É um distanciamento entre o mando e a submissão, entre a ordem e o fiel cumprimento. Não sabe, contudo, que é mais fácil cair da escada quem está no topo do que aquele que permanece no chão. E uma queda com consequências inimagináveis, e bem ao lado dos pés do quem tanto foi escravizado.
A solidão, o silêncio e a tristeza, são aspectos por vezes úteis e necessários ao ser humano. É tudo verdade. A pessoa não precisa estar passando por momentos difíceis para se revelar entristecida. Não se mantém recolhida dentro do quarto ou num cantinho da sala porque necessariamente esteja cheia de amarguras, angústias e desilusões. Não procura se afastar do convívio dos demais, e na solidão se manter escondida, porque o mundo não mereça sua presença. A pessoa necessita de instantes somente seus, de momentos de reflexão interior, de recolhimentos imprescindíveis ao reencontro consigo mesma. Não significa estar solitária, silenciosa ou triste, mas tão somente mais perto de si.
A fé é remédio infalível, pois tem o dom da cura e do renascimento. É tudo verdade. A pessoa que se apega na crença inabalável do poder divino sobre os males do seu corpo e de sua alma acaba alcançando verdadeiros milagres. A ação da fé é tamanha no ser humano que supera toda ciência, toda medicina, todo remédio, toda fórmula. Muito já se comprovou que o diagnóstico da medicina, quando não encontra no medicamento laboratorial uma cura ou diminuição dos males, é silenciosamente combatido pela fé. A pessoa tem tanta confiança que a força divina trará sua cura, e a essa crença se apega com toda força ainda existente, que os males se dissipam e a vida prossegue como verdadeiro milagre.
Personagens fictícios surgem e passam a ter existência tão reconhecidamente viva que, muitas vezes, se tornam mais humanizados que muitos humanos da vida real. É tudo verdade. Saídos dos livros, novelas e filmes, os personagens passam a ter vida mais longa que o próprio homem. Gerações passam e eles permanecem vivos nas estantes, nas telas, nas reapresentações das novelas. Contudo, é na memória coletiva que possuem existência e moradia, que se fazem presentes em todos os instantes de recordação. Quem poderia dizer que Scarlett O’Hara e Rhett Buttler, de E o Vento Levou, não tomaram formas humanas e existiram de verdade. Gabriela, Dona Flor, Teresa Batista, Sargento Getúlio, Sinhozinho Malta, Porcina e Roque Santeiro, são reconhecíveis como pessoas ou não?
A escravidão foi a mais abjeta forma de sujeição humana, a mais horrenda manifestação do homem para com o seu próximo, e a mais bestializada tentativa de transformar pessoas em bichos, em animais, em reles sombras de existência. É tudo verdade. E uma verdade que ainda dói pela sua maldade, pela sua dureza e desumanidade. Uma verdade que, de tão covarde, nunca foi e nem jamais será justificada. Não se pode, senão pela vergonha e arrependimento, justificar que o homem se arvore da cor para submeter outra cor, se hasteie numa raça para humilhar e mortificar outra raça, que sustente sua ação pelo ódio não do outro, mas do seu próprio coração, supondo-se que existisse. E o tempo ainda não apagou, não silenciou, nada enterrou de tamanha vileza. Ainda vagam os fantasmas do banzo, ainda ecoam os gemidos de dor, ainda são ouvidas as chibatadas, o sangue ainda respinga da pele negra. E há toda uma sociedade ainda escravizada pela cor que continua sendo açoitada, perseguida e humilhada pela sociedade senhorial.
Os anjos existem e neste momento estão guardando e protegendo todos aqueles que os acolhem no coração, na fé e na obediência aos ensinamentos sagrados. É tudo verdade. Anjo da guarda, anjo guardião, ser sublime e afetuoso enviado dos céus para estar ao lado, prover, interceder, proteger e guardar seu protegido perante as forças nefastas do mundo. Amparo e escudo, é a voz silenciosa ecoando, é a motivação de repente surgida. Aponta a estrada, guia os passos, faz renunciar às escolhas. Mesmo não sentindo, o anjo sopra aos ouvidos, diz sobre o melhor a ser feito, sugestiona o coração, provoca disposições para o bem, tudo faz para evitar a ocorrência do mal. Também age como o ser consciente ao lado do ser duvidoso. É presença que aconselha o espírito, predispõe a alma, fortalece a vida.
O poeta já disse que há mais coisas entre o céu e a terra do que possa imaginar nossa vã filosofia. O mundo, a vida e a existência, são todos entremeados de mistérios e desconhecidos. Daí que muito do que se reconhece como existente e verdadeiro, de repente se mostra na outra face, negando o acreditado. Contudo, coisas existem que jamais podem ser negadas, seja pelos exemplos vivos da história, seja porque interiorizadas como crenças absolutas, seja porque, mesmo qualquer explicação, acabam acontecendo. E são estas as verdadeiras verdades.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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