SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 11 de julho de 2016

O MORRO DAS SILENCIOSAS VENTANIAS


*Rangel Alves da Costa


Um dia, lá pelos idos de 1847, uma jovem britânica de nome Emily Brontë, pegou na pena e escreveu uma das belas e comoventes páginas da literatura mundial: O Morro dos Ventos Uivantes. Na paisagem sombria e brumosa que permeia a história de amor, vingança e traição, sempre a sensação de angústia, desalento e silenciosa aflição.
Os ventos uivam no morro como a simbolizar os gritos aflitos, os murmúrios entristecidos, as palavras que chegam sem nenhuma pronúncia, mas, principalmente, os medos que se escondem e de repente ressurgem nas ambientações sombrias e tristes. É como se do alto de um monte um lobo anunciasse as tragédias e os sofrimentos entrecruzando as vidas dos personagens.
Ante a leitura, não há como não sentir a sensação de caminhar entre cerrações e nevoeiros, à mercê dos sopros uivantes e suas surpresas angustiantes. E sopros e sombras que acabam envolvendo os personagens, entremeando suas vidas, turvando os seus destinos. De repente, quando a paz parece fazer companhia, quando a felicidade se mostra possível, eis que novamente os ventos começam a uivar.
Também na vida real, o ser humano não vive distante de paisagens assim, de silêncios gritantes e brumas tormentosas, de morros uivantes no seu caminhar. A pessoa, nas angústias e melancolias do dia a dia, também possui o seu morro das silenciosas ventanias. Silenciosas por que forjadas na ilusão de a tudo suportar sem bradar para o mundo. Silenciosas por que aprisionadas na garganta, no âmago, nos labirintos da alma.
Verdade é que há em cada ser e ao seu redor, um morro de ventos uivantes que silencia até o instante do grito. Grita-se ao já não mais suportar o dolorido silêncio. Um vulcão que adormece até o dia do terrível despertar. Da garganta presa, irrompem-se verdades muito mais aterradoras que um fumegante rio vulcânico. Ou assim se faz – explodindo para resistir – ou se findará pelo próprio fogo.
Engana-se, pois, quem imaginar que o monte sempre adormece e que jamais despertará do seu sofrimento interno. Sua simples presença já é terrível ameaça. Do alto e dos escondidos deste monte sopram açoites, saem lufadas desconhecidas, despontam refegas lacrimosas e tempestades terríveis. O ser, frágil por natureza, apenas uma folha seca em meio ao açoite, refém vai se tornando das cruéis ventanias. Assim acontece antes de a lava escaldante começar a jorrar.
Por mais escondido que esteja, por maior crença de segurança que sinta, ninguém se distancia do morro das ventanias silenciosas. Na verdade, o seu cume de repente se mostra à janela, dentro do quarto, na sala, dentro da própria pessoa. O cume alto, o mais alto do mundo, mas tão acessível ao olhar que mais parece estar abaixo dos pés. Tudo suportável até que o seu sopro, o seu açoite, a sua ventania, a sua tempestade, começa a esvoaçar toda alma. Então a folha seca humana se vê à mercê de seus chicoteios incontidos.
A menina triste sempre avista o morro das ventanias silenciosas. No seu umbral, na janela do entardecer, vai mirando adiante, levantando o olhar aos espaços vazios, mas de repente se vê completamente tomada de recordações e saudades. Entristecida, relembrando mais do que desejaria lembrar, se faz chorosa, tomada de martírios e agonias. Nem sente sua chegada, pois aflita demais, mas já envolta pelos açoites torturantes do morro das silenciosas ventanias.
A moça saudosa, de um amor desamado, sentindo-se órfã dos afagos, carinhos e abraços, levanta no quarto escuro e olha pela fresta da janela: tudo em turbilhão. Assim na viúva aflita e sua cruz de saudade e de não aceitação do destino. E desde o amanhecer os terríveis sopros vindos das montanhas do pensamento. Do entardecer em diante, quando as sombras da noite chamam as presenças ausentes, então os uivos gritantes se tornam tempestuosos.
Tudo sopra num terrível açoite. Os lobos se sacodem por dentro, despontam vorazes. Os olhos entristecidos e a boca trêmula, o coração aflito e a garganta presa. Os sinais de que se está diante do morro dos ventos uivantes e das silenciosas ventanias.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: