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quarta-feira, 8 de maio de 2013

A MENINA PELA ESTRADA (ENTRE BRUXAS E LOBOS MAUS) (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


A menina de hoje, tão criança e já mocinha, envolta em modismos e modernidades, não se diferencia muito, contudo, daquelas meninas das fábulas, dos contos de fadas, das histórias infantis.
Igualmente à menina dos livros antigos e das histórias encantadas, esta de hoje também vive em meios a aventuras, caminha por perigosas estradas, se vê diante de ameaças e lobos maus, tem sempre um labirinto silenciosamente chamando para testar sua força.
Naqueles idos onde as histórias são relatadas, a menina geralmente vivia com sua família numa casa simples e rodeada por belíssimas paisagens, animais falantes e sendo constantemente ensinada por seus pais a fugir dos perigos e armadilhas.
E as lições repassadas eram muitas, e a filha sempre ouvia com atenção. Cuidado para não se afastar muito de casa, para não seguir sozinha por caminhos distantes e estradas desconhecidas, para não dar atenção a quem não conhece e desconfiar de tudo que venha com muita facilidade.
Ensinavam muito mais. Não deixe escurecer quando sair por aí ou estiver em lugares desconhecidos; não experimente nada que não conhece, ainda que esteja com fome e sede; não aceite convite de quem não conhece nem revele seus segredos a ninguém. Acaso encontre um bicho falante, apenas diga que ainda não aprendeu a falar a língua dos bichos.
Contudo, ainda assim, mesmo com tantas lições recebidas dos pais, avôs e familiares, muitas vezes a garotinha do conto de fadas caía em armadilhas. De repente, sem atentar para as astúcias dos seres do mal, aceitava uma maçã doada por uma dócil velhinha, que não passava de uma malvada bruxa; ouvia encantada as palavras do lobo mau - ali se mostrando tão lobo bom - e o acompanhava aos escurecidos labirintos.
Nem precisa esmiuçar as consequências dos atos impensadas da menininha. Mas tudo por desobediência, por não seguir à risca os ensinamentos. Tanto que a mãe pediu, tanto que o pai implorou. E para sair das arapucas e armadilhas sofria pesadelos sem fim, e sem garantias de um final sempre feliz.
Não havia certeza de um final feliz porque os contos de fadas, as fábulas e as historietas infantis se prestam muito mais a exemplificar situações de vida, num confronto do bem contra o mal, onde este também leva proveito. E acontece assim porque sua intencionalidade não é mostrar que a inteligência vence todas as armadilhas para um final feliz, e sim que a desobediência faz a pessoa pagar pelos erros.
Quando a menina, ainda que já tenha cometido o pecado da desobediência aos pais, intimamente o reconhece e se compromete a não mais cometer tais falhas, então seu destino muda totalmente na história. Toda a situação se reverterá a seu favor e o lobo mau passará a ser o perseguido, a malvada bruxa tudo fará para se distanciar da menina, e os seres do mal farão encantamentos para desaparecer diante dela.
Alguma coincidência com as meninas ou os jovens da atualidade? Será que pelas ruas e ambientes da vida moderna não se escondem lobos maus, bruxas perversas, cobras silenciosas, corvos adormecidos, gaviões de bico afiado? Será que por não querer jogar pedacinhos de pão por onde passam, os jovens simplesmente vão seguindo por estradas sem conhecer o caminho de volta?
Como nas fábulas antigas e nos contos de fadas, a maioria dos pais de hoje também se esmera nas lições repassadas aos seus, implora para que evitem isso ou aquilo, porém começa a rogar aos céus todas as vezes que eles abrem a porta para sair. Sabe, conhece muito bem que de pouca valia terá sido seu esforço se o mundo lá fora se mostrar mais sedutor que o poder de discernimento, que a força para dizer não dos jovens.
Verdade é que os jovens dão poucos ouvidos às lições, aos pedidos e rogos que lhes são feitos. Muitas vezes, e diferentemente da menina da fábula que por descuido se aproximava do labirinto, o jovem de hoje dali se aproxima porque quer, porque é por ali que procura seguir. E nunca há um final nessa fábula moderna onde é o próprio personagem que antecipa seu fim.
Nesse passo, a velha canção dizendo “Pela estrada afora eu vou bem sozinha, levar esses doces para a vovozinha. A estrada é longa, o caminho é deserto, e o lobo mau passeia aqui por perto...”, será, nos dias atuais, assim cantada: “Pela estrada afora seguimos sozinhos, levar a juventude pelos descaminhos. A estrada é torta, mas causa sensação, e o lobo mau traz drogas na mão...”.
  

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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