SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 4 de maio de 2013

UMA ÁRVORE AO POR DO SOL (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Hoje mais cedo eu estava pesquisando uma imagem bonita para colocar como pano de fundo da tela do computador e me deparei com uma árvore majestosa e tendo ao fundo um belíssimo por do sol.
As cores avermelhadas recaem sobre a árvore como um abraço de modo que não se enxerga nada das cores das folhagens nem do tronco, apenas um negrume nas galhagens sobressaindo-se em meio aos tons abrasados do instante.
O por do sol tem esse poder de incidir sobre os seres e deixá-los parecendo uma imagem de raios-X. No caso da árvore, mesmo que volumosa e altaneira, ao entardecer mais vivo e afogueado revela-se apenas como um objeto escurecido de braços abertos na paisagem.
E é esta imagem, esta paisagem emoldurada pelo fogo do instante, tomada pelas cores do fim de tarde, que acaba provocando rebuliços nos sentimentos de quem a observa. Não pela árvore nem pelo fogo do sol ao fundo, mas sim pela moldura que se forma e pela força transformadora que transmite.
Então revelo, antes que me esqueça de dizer. Não é uma árvore qualquer não e nem também um por de sol de qualquer lugar. A paisagem retratada é sertaneja, do sertão mais imponente e original, lugar onde o sol é maior e mais abrasador e cujo fim de tarde também se diferencia pelos matizes que provoca nos descampados, nas árvores solitárias e na mataria.
E a árvore que recebe tais raios afogueados é uma autêntica baraúna sertaneja. Baraúna, braúna, quebracho, ubirarana ou ainda ibiraúna, é uma árvore nativa, tipicamente sertaneja, que se sobressai na caatinga pelo seu grande porte, caule de tronco grosso e reto,  com ramos espinhosos, galharia espessa e bem distribuída, formando uma vistosa copa.
Quando nasce em meio aos descampados, nas solidões esturricadas sertões adentro, é avistada ainda ao longe. Não só pela sua altura, mas principalmente pela imponência, logo é reconhecida pelo olhar do campesino. E dela é amigo fiel, pois debaixo de sua copa, nos sombreados debaixo do sol, já fez paragem e repousou.
Nas sombras da baraúna os vaqueiros param para esvaziar seus cantis, dar fôlego aos animais, tirar um cochilo antes de seguir adiante no rastro de bicho brabo. Os antigos comboeiros ali paravam suas mulas carregadas de charque, tecido, açúcar, farinha, mercadorias que seriam entregues nas mercearias distantes.
Nos dias mais ensolarados, quando o sol sertanejo parece descer rente a terra, os animais se socorrem de suas sombras para o necessário refúgio. Boi, vaca, cavalo, jumento, raposa e outros bichos do mato, dividem o mesmo chão sombreado sem intriga nem zangação. Sabem que é melhor dividir pacificamente o lugar a padecer em cima do braseiro da terra.
Foi debaixo de uma baraúna que um jagunço afamado armou uma tocaia pra derrubar o desafeto do coronel seu patrão. E somente um mestre na emboscada para levar adiante a estratégia mortal onde não havia tufo de mato nem folhagem baixa para se esconder. O que fez o danado do homem foi se esconder por trás do tronco rechonchudo da árvore.
De passagem certa pelo lugar, pois era ali que descia um instante pra refrescar o juízo e dar descanso ao animal, assim que o inimigo do patrão se aproximou e colocou o pé no estribo pra descer, o jagunço botou a cabeça do outro lado e fez a mira. Quando o homem percebeu a cilada já era tarde demais. Recebeu uma balada no meio da testa que se derreou na sela, já morto. E o cavalo saiu em disparada com o defunto por cima.
Depois disso, com a maior das vilezas que possa existir  num homem, o jagunço cortou galho de catingueira em cruz e ficou debaixo da árvore. O seu patrão mais tarde passaria por ali e ao avistar a cruz de defunto teria certeza que o seu cabra tinha dado conta do recado encomendado. E o seu inimigo deixado de existir.
E talvez seja essa mesma baraúna que encontrei ao por do sol. Talvez não, tenho máxima certeza. E digo isso porque aqueles raios de sol da cor de fogo, num vermelho afogueado, ao descer sobre a árvore dão-lhe uma aparência de estar banhada de sangue. E o sangue que sobre ela se derrama é o mesmo sangue sertanejo das vinditas, das tocaias, das emboscadas.
Pois ali debaixo daquela baraúna imponente, tão bonita na paisagem, muitos perderam a vida. Por isso que nas noites sem lua as velas flamejavam pelos arredores, debaixo da copa. E tiros eram ouvidos. Gritos também. Coisas desse imenso e misterioso sertão.
  

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com    

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