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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 12 de setembro de 2013

ARAÇÁ, ONDE TU ANDAS MINHA DOCE FRUTA?


Rangel Alves da Costa*


Nunca duvidei. Certeza de sertanejo. Depois do sertão em si, meu berço de nascimento, a coisa que mais gosto na vida é da frutinha araçá. Quer dizer, gostava, pois desde muito que não beijo naquela doce boca.
Araçá, meu araçá, um dia disseram que você é minúscula goiaba. Mas que aleivosia, que duvidosa afirmação de quem não conhece sua suculenta polpa nem seu sabor. Também não conhece sua flor esbranquiçada e solitária.
Seu tronco pequeno e tortuoso lembra uma catingueira que se esqueceu de crescer. Seu fruto quando maduro, vermelho ou amarelado, lembra o brinco dourado de minha linda donzela.  Mas onde tu andas meu pequenino e doce amor?
Brinco dourado do meu amor, joia preciosa achada na mata, tesouro escondido nas distantes folhagens, ou apenas araçá surgido no olhar como graciosidade do paraíso. Um é para admirar, dois é para querer mais, uma porção é para se apaixonar. E a boca sempre quer mais desse beijo encantado.
Guardo comigo essa triste recordação. Lá pelos tempos idos, a vendedora cortando as ruas empoeiradas da cidadezinha, carregando um balde na cabeça e gritando, oferecendo araçá amarelinho. Trazia de longe, do meio da mata, num esforço descomunal, e ali oferecia  cada porção a preço acessível.
Não lembro mais quanto era meia lata ou uma pequena cuia de araçá. Pela gostosura, pelo paradisíaco sabor, não era caro de jeito nenhum. O problema era ter de comprar três ou quatro latinhas para saborear a contento aquela preciosidade.
Eram amarelinhos os pequeninos frutos oferecidos pela vendedora. Perguntava onde ela havia encontrado tanto assim para encher um balde, ela apenas respondia que de canto a outro, na mataria distante, num esforço tremendo pela sobrevivência. E só fazia tanto sacrifício porque precisava de um quilo de açúcar ou de farinha.
Aqueles eram amarelinhos, mas eu sabia da existência de frutos vermelhos e esbranquiçados. Sabia porque ouvia os mais velhos dizer que noutros tempos aquilo era encontrado com fartura pelos quintais e que nem as cabras queriam mais.
De repente tudo foi rareando, acabando de vez. Os quintais mudaram sua destinação, se transformaram em espaço de quase nenhum cultivo, os araçaizeiros foram definhando até sumir para sempre. E quem me dera ter alcançado aqueles tempos do doce fruto ao redor da moradia.
Outros tempos. E doces por causa do araçá. Também da meninice, do enxerimento pelos lados das mocinhas sertanejas, das corridas desenfreadas em cima do cavalo de pau, das brincadeiras infindas pelos descampados espinhentos, dos tantos banhos nas águas do riachinho. Quem dera outra meninice, outra lata de araçá, outro luar sertanejo no meu infante olhar.
Hoje a saudade é grande, meu doce araçá. Saí de lá trazendo seu sabor e sua doçura juntinhos do céu da boca. Por aqui, em meio a asfalto e indignação, é impossível encontrá-lo perdido no meio de uma feira qualquer. O pior é que ninguém mais fala em seu nome, não relembra com água na boca sua brandura encantadora.
Mas eu não esqueço não, meu araçá. Jamais esquecerei. Recordo ainda a vendedora, seu conhecido grito, e os brincos dourados por entre os meus dedos. Ávida boca para senti-lo macio, ávido desejo de encher a mão e mastigar toda doçura de uma só vez. Relembro e fico de água na boca. Mas seu eu chorar é pela infância que ficou por lá.
Um dia haverei de plantar um araçaizeiro no meu quintal. Encontrarei a semente e cultivarei o tempo que for até colher o primeiro fruto. Mas não o levarei a boca faminta de saudade. Apenas o terei como um espelho para avistar um tempo onde o prazer da vida era possível com um simples beijo. Na pele doce do araçá.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

Um comentário:

novembropoetico.blogspot.com.br disse...

Boa tarde, poeta, seu texto chamou a atenção, aqui há pés de araçás, das duas qualidades, mas prefiro esse amarelinho, é mais saboroso. Lindas memórias, parabéns.