SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

AS PALAVRAS E AS LIÇÕES


Rangel Alves da Costa*


Cadê o velho manuscrito que estava aqui? Dia após dia e ele servindo de norte a quem desejasse, através de suas páginas, encontrar palavra e lição. Será necessário encontrá-lo para que linhas continuem revelando as mensagens tão essenciais num mundo agonizante. Página a página, tudo escrito à mão, um verdadeiro manual de vida. E ainda recordo:
“Nunca caminhe tão apressado que não tenha de deixar sua história guardada em baú. Mais tarde, quando já estiver longe demais ou já tenha cruzado a última curva do caminho, certamente que o baú será reaberto e os seus feitos surgirão. E jamais queira que as suas relíquias não provoquem saudades, alegrias e gratidões”.
“Primeiro o coração e depois a ação. No coração a razão, no restante a certeza. E se há uma estrada sem labirintos, pedras e espinhos, sempre será aquela primeiro avistada pela consciência do passo a ser dado”.
“Mire-se no exemplo da porta e da janela. Triste é a casa que se mantém com porta e janela fechadas. Assim o ser humano que sem mantém com a boca e os olhos fechados. Passam um tempo novo e uma luz brilhante quando a porta e a janela se abrem. Então é preciso sorrir com os olhos e a boca para que o sol da alegria seja avistado”.
“Seja comedido. Nem tudo nem nada, nem demais nem tão pouco. Lembre-vos do Eclesiastes, aquele livro bíblico ensinando que há na vida uma lei do eterno retorno: o que é já não será, o que se mostra agora de uma forma, mais adiante já se mostrará diferente. Daí que querer ter tudo agora é também querer não ter nada mais adiante. Querer na medida é a certeza de não faltar”.
“Um dia, perguntando ao velho senhor por que sempre afirmava gostar de dormir com uma pedra como travesseiro, dele ouviu: No tempo dos erros, dos desacertos, das coisas impensadas, não havia travesseiro macio que me fizesse dormir. Virava e revirava na cama a noite inteiro, cheio de preocupação e sem ao menos adormecer um só instante. Mas tudo ficou diferente depois que os caminhos ruins foram evitados. Daí em diante passei a dormir contente e feliz até mesmo por cima de travesseiro de pedra. E assim porque o que faz o homem é a sua consciência e não a maciez de seu travesseiro”.
“Amor é coisa que não existe mais. Não há mais paquera, namoro, aliança de compromisso, noivado nem casamento de verdade. E quando há casamento. Hoje em dia, um conhece o outro e, sequer sem saber o nome, já fala em paixão, em tudo o mais. E então acontece de conhecer o corpo, o sexo, sem conhecer a pessoa. E ainda chama isso de amor. E este, entristecido pelo desatino que dão ao seu nome, apenas se recolhe aos cantos solitários à espera que algum dia alguém o faça renascido de coração. Um amor onde haja busca, procura, beijo, abraço, saudade, poesia, flor, contentamento. E que seja tão verdadeiro como a pessoa que diz amar”.
“Quando o discípulo pediu licença ao velho mestre para subir à montanha e de lá do alto poder avistar as grandezas da criação. O velho sábio logo respondeu: Será preciso descer, e não subir à montanha, se quiseres verdadeiramente conhecer as grandezas da criação. Lá do alto apenas se avista o que está mais alto, ao redor e mais abaixo. Mas aqui de baixo se avista tudo o que desejares, eis que é pelo passo, na caminhada, que se conhece a vida, o mundo, as obras de Deus. É por isso que são os caminhos terrenos que levam o homem ao céu, e não os cumes altos de onde apenas se avista e não se sente”.
“Chore tua lágrima, suba no teu barco e vá. E quanto mais chorar mais longe alcançará, até que as lágrimas cessem e se ponha à deriva em mar desconhecido. E novamente terá de chorar para retornar. Então por que não sorri e sobe nas asas do contentamento para alcançar o horizonte que bem desejar?”.
Muitos outros escritos estão nas páginas do velho livro. Contudo, ele desapareceu do lugar onde repousava com páginas abertas. Talvez o vento tenha levado cada palavra, cada página, tudo. Ou talvez apenas deseje que cada um escreva sua própria história a partir das lições aprendidas.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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