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segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

MEDOS E ASSOMBRAÇÕES


Rangel Alves da Costa*


Os medos e assombrações de agora são muito diferentes daqueles temores e aparições de outros tempos, eis a conclusão de alguns amigos conversando na pracinha interiorana. O que agora arrepia é o medo do vivo, daquele que violentamente surge para praticar o mal, daquele que aparece a qualquer hora do dia para aterrorizar a vida do próximo. Muito diferente de tempos outros e suas almas do outro mundo e suas histórias de arrepiar.
Do nada, como se diz por lá, foi surgindo um leque de histórias e estórias do arco-da-velha, dos tempos de luz somente da lua e das noites de escurecimento de breu. Então se avolumaram as recordações dos causos passados boca a boca de geração a geração, sem esquecer os acontecidos mais recentes e nos quais muitos haviam conhecidos como testemunhas. E naquela noite foram sendo relembrados causos de aparições, de assombrações, de gente virando bicho, de alma penada, de mistérios sertanejos, de desconhecidos e inexplicáveis.
Francisco, um moço bom vindo das terras ribeirinhas de Curralinho, conhecedor sem igual de prosas antigas e relatos recentes sobre coisas do outro mundo pelas beiradas do Velho Chico, debulhou uns dois ou três causos de arrepiar. Contou a história de uma procissão que era avistada ainda na escuridão da madrugada. Relatou também a história de uma família que chegou desesperada à povoação, já altas horas da noite, depois que sua casa foi atacada por um negrinho endiabrado.
Segundo Francisco, não fazia muito tempo que pelas beiradas do rio começou a ser espalhada uma história de fazer estremecer qualquer um, e que dificilmente poderia ser negada em virtude da credibilidade da pessoa que a havia testemunhado diversas vezes. Esta pessoa, um senhor acostumado a levantar na semiescuridão da madrugada, de vez em quando avistava, do alto onde morava, uma procissão saindo do cemitério, fazendo o mesmo percurso, para depois retornar e sumir no mesmo lugar. Do cemitério, percorria aquele mesmo chão e depois desaparecia sem deixar qualquer vestígio de sua passagem.
Outra estranheza de caso relatado por Francisco diz respeito ao negrinho, miúdo e esquisito, do nada surgido para atormentar a vida de uma família moradora nos escondidos do sertão. A tal família vivia numa casa construída e abandonada pela administração, numa elevação, ao lado de uma caixa d’água distante de tudo. Ao invés de a prefeitura reivindicar a saída do imóvel, quem o fez foi um ser espantoso, escurecido, quase no porte de um menino, que apareceu “virado na peste”. Surgiu do nada, furioso e com força descomunal, começou a fazer despencar tudo o que encontrava pela frente. Aterrorizada, sem poder enfrentar aquela criatura desconhecida, a família não fez outra coisa senão correr porta afora até chegar esbaforida ao Curralinho. E nunca mais retornou à localidade. Até hoje o fato continua sem explicação.
Jorge de Iolanda, outro sertanejo que não abdica de uma boa prosa, foi buscar na memória relatos antigos de assombrações pelas ruas do lugar e arredores. Então recordou que antigamente era costumeiro se ouvir acerca do cavaleiro da noite, acontecimento que já se prolongava desde os tempos dos avôs e bisavôs. Segundo o relato, nas noites sem lua, quando as portas já estavam fechavam e a maioria da sertanejada já roncava do cansaço do dia, então se escutava um trotar pelas ruas. Ouvia-se, nitidamente, um cavalo passando a galope, indo e voltando, até sumir sem jamais alguém ter avistado nem o cavalo nem o seu cavaleiro. Era o cavaleiro da noite, que muitos afirmavam ser a alma penada de um velho vaqueiro.
Ainda da narrativa de Jorge, mas de acontecimento mais recente, é a aparição do menino sorridente. Diz o relato que algumas pessoas de Poço Redondo confirmam ter avistado, nas altas horas da noite e sempre numa esquina após o antigo Tanque Velho, um menino que sempre sorri para quem consegue avistá-lo. O fato ainda acontece nos dias atuais, e por isso mesmo muitos evitam passar por aquele lugar no meio da noite. Morador nas proximidades do local onde o menino aparece, Jorge afirma que nunca avistou a aparição, mas se algum dia acontecer só espera ter pernas para correr e entrar em casa sem sequer abrir o portão.
Foi da lavra de Tonhão a recordação de pessoas que viravam bicho. Logo veio a lume os nomes de Ranulfo e João Valentim, o primeiro em Poço Redondo e o segundo em Monte Alegre. No passado, estas eram tidas e havidas como pessoas que se transformavam no bicho que quisessem. João Valentim ganhou fama por avisar com antecedência no bicho que iria se transformar e onde iria aparecer em determinada hora da noite. Já Ranulfo disse que estaria presente num forró, mas que ninguém conseguiria avistá-lo. Dito e feito, pois apareceu um rato no meio do salão, zanzou por todo lado e nenhum forrozeiro conseguiu alcançá-lo.
E bem assim outras histórias, outros causos, de fogo-corredor pelos arredores, de fantasmas e estranhezas, de coisas do outro mundo. E já era tarde da noite sem lua.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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