SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 24 de abril de 2018

ARREPARE BEM



*Rangel Alves da Costa


Entonce ocê vem dizê que tem a sabedoria. Haverá de ter, mai coisa de ané no dedo e paletó apretado. Mai assevero que o saber é de todo mundo, os de ané e os sem ané. As veiz somente os dedo sabe munto mais.
Eu mermo num troco minha enxada pru caneta de jeito ninhum. Tomem num troco meu ranchim pru bangalô de jeito ninhum. Se tenho porta e tenho janela, se tenho quarto e cama, entonce minha casinha é um palacete.
Sou de ninhum istudo, bem sei. Das letra num sei de nada e das escrita tomem. Num sei o que ler e munto meno iscrevê. Mai tomem sei que munto dotô num tem a ciença que tenho. Pode ser fromado, dotô, mai sei munto mai cuma pobe trabaiadô.
Nasci aqui e vou morrê aqui. Meu mundo é esse aqui. Minha escola tomem. Os livro tão adiante, na natureza, as letra pru riba da terra, tudo espaiada em grão. E se sei prantá e coiê, entonce sou dotô no livro da terra.
E se arguém chega de longe eu nem pregunto pru lá fora. Haverá mundo mió que esse aqui? Meu sinhô, aduvido que arguém chegue dizeno que adiante a vida é boa, que tem tufo de mato e catingueira, que tem passarim e cantiga das foiage. Tem não, meu sinhô, tem não.
Probeza? Sim. Munta. Mai munto deferente das probreza que os da cidade pensa que nóis tem. Decerto que a probreza da gente, merma fartando dinhero e mai, é munto mai riqueza que a riqueza que munto pensa que tem. Mai probe que nóis, a verdade.
Me diga se num é riqueza ter o de comê, o de bebê, o de sustentá a vida. Pa vivê o homi num percisa de luxo não, percisa de paz, de panela no fogo, de prato na mesa, de quartinha cum água, de rede pa discansá.
Uso roupa veia e num troco pru nada. Meu roló tá no couro e no osso e aina assim é o de uso. Chapéu de paia ou de couro é quarqué um, tudo eu uso. Mai num ando sujo não. Merma vestino gibão, no calorzão danado, ninguém vai fazer a vorta pru caso de arripunação.
Drumo cum a cabeça pro riba da peda, se for perciso. Agora me diga, seu moço, quantos outo que é rico, que vive no tudo ter, adromece cum a paz pru todo lugá? Eu drumo inté pru riba da cansanção, da urtiga, debaixo do tufo de mato. E nada me tira o sono não.
Nunca matei nem nunca roubei. Nem rolinha fogo-pagô tenho matado mai. Me dói pru dento quano vejo a mardade pru mardade. Sou cronta ferrá o garrote, sou cronta a chibata no lombo. Se dói na gente, entonce pruque não haveria de doer nos bichinho? Mai tem munta gente mardosa demai.
Drumo poquim. Quem é da terra acorda no madrugá. O galo aina nem cantou e já tô abrino a porta de traiz. Aceno fogo de lenha, boto chaleira no fogo, torro perna de preá, se tiver. Adespoi jogo um moio de farinha e já me apronto pru dia. Despoi disso é só enxada, enxadecos, foice, facão. E uma vaqueirama de quano em veiz.
Quano o dinhero é pouco a gente inventa o de comê. Nem sempre nóis faiz a feira, mai sempre tem uma coisinha pa num deixá a barriga vazia. Caça num existe mai nem eu sou mai de caçr. Certa feita, inté parma nóis comeu. E num é coisa ruim não. Mai nada iguá a uma fruta do mato.
Bebo minha pinguinha aqui mermo. Sempre um restim de pinga. Num deixo fartá não. Mai pinga da boa, de raiz de pau, que tomem seuve cuma remédio. Aceno meu cigarrinho de paia e adespoi me assento debaixo do umbuzero ou pru riba de um tronco de pau. Entonce cunveuso com a natureza, os bicho, com a ventania que vem.
Saí daqui quero não. Nasci aqui e agora vou morrê. Pru riba deu a terra que tanto gosto e que é minha vida. Inquanto isso, levano a vida mai Filozinha, mai a fiarada, mai o que gosto de ter no meu mundo.
E meu mundo é esse, assim. De lua e de sol, de noite e de dia, nas lonjura de tudo. Num há mundo mió não, meu sinhô.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: