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segunda-feira, 27 de maio de 2013

SOBRE PALAVRAS E SOMBRAS (Crônica)

Rangel Alves da Costa*


Com razão, às vezes você pensa que tem pensamentos originais, possui atitudes únicas e fala aquilo que jamais alguém ousou falar. Que bom se fosse assim. Contudo, principalmente na palavra, tudo que criamos como linguagem é apenas uma repetição.
Mas certamente não falou para ficar grafado nos murais da história. Em meio aos diálogos, às conversas e proseados, simplesmente disse algo oportunamente diferente. Somente mais tarde é que vai lembrar-se daquela palavra ou frase bonita. Mas dificilmente a repetirá no mesmo contexto e no mesmo sentido.
Entretanto, muitas vezes não sabe que sua proeza verbal não possui qualquer originalidade. O mais primitivo dos homens já havia grunhido muito de sua façanha oral; os cochichos do mudo já a espalhou  várias vezes; o iletrado já a havia repetido sem dar qualquer importância. Assim, ninguém tomou como sua a palavra tida como sábia.
Por isso mesmo, sejam palavras bonitas ou feias, encorajadoras ou deprimentes, sábias ou inoportunas, não importa como sejam, tudo que se dirá adiante já foi dito por alguém algum dia. Se foi dito por você, tudo bem. Mas acredite, outra pessoa já asseverou o mesmo. Sem falar das outras que se reputam autoras.
Além disso, a frase brotada como ramo dourado não está imune aos perigos de se transformar em galho seco no passo seguinte. É que as pessoas vão transformando palavras e frases segundo requerem as situações, e aquilo pensado para ser dito num colóquio amoroso pode ser propagado totalmente diferente num momento de refrega, por exemplo.
Certamente que despem a frase ou a palavra e dão-lhe uma vestimenta qualquer. Algo tão doce quanto o mel se transformará num amargor angustiante. Por exemplo, quantos entendimentos podem passar a ter uma frase simples como “Assim que eu retornar trarei o que você bem merece”?
Um velho amigo certo dia me segredou que as palavras deveriam ser o último recurso de linguagem a ser utilizado pelo homem. E acrescentou que as palavras ditas são frias, perigosas, quase sempre dúbias, servindo como instrumento de mentira e manipulação. Dificilmente alguém confirma no olhar aquilo que diz com a boca, disse ainda.
E concluiu afirmando que os gestos e acenos, ainda que possam ser entendidos distorcidamente, não dão azo a tanta dubiedade. Uma mão acenando um adeus sempre será uma mão acenando um adeus; um beijo soprado na mão sempre será um beijo soprado na mão; um dedo verticalmente colocado no lábio sempre será um pedido de silêncio; um olhar entristecido não tem o dom de esconder alegria.
Mas a palavra é inevitável. Ela surge, se expressa, alça voo, corre. E dependendo da ocasião ou circunstância pode fugir totalmente do controle do falante. Outras vezes não sai nem como palavra, mas ultrapassa muros e se impõe como gritos, urros, alaridos. Ou simplesmente não sai da boca. A boca quer dizê-la, e até diz, mas ela continua presa na garganta, no véu da comoção ou do espanto.
Uma vez no mundo, passa a caminhar por si mesma. No instante seguinte da palavra dita e ela já poderá ecoar de forma totalmente oposta ao seu sentido original. Quando não é assim, quando não é completamente transmudada segundo o momento, vai ganhando contornos e nuances tão suaves que dificilmente alguém imaginará que aquilo que ouviu num instante já tomou banho e foi perfumada.
Verdade é que a originalidade da palavra não depende daquilo que se tenha como criação própria, pois tudo numa junção do já tantas vezes dito, mas apenas pela força que a mesma possa expressar. Não precisa ser algo tão bonito, florido ou que saia aromatizada da boca. Simplesmente que chegue ao outro como voo leve, como brisa suave, como verdade que se ouve e se assimila, pois dita com o coração.
Mas quando digo que estou com saudade, por favor não contradiga meus sentimentos. Ademais, não consigo viver um instante sem estar com saudades. Perante as dores e tristezas de agora, somente recordando os bons frutos da estrada para ir seguindo adiante. Tocando boiada e vida.
  

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

Um comentário:

Ana Bailune disse...

Como sempre, um lindo texto! Acho que a gente pode dizer mil vezes a mesma coisa, exatamente a mesma coisa, mas de mil jeitos diferentes. Isso é originalidade, embora não seja fácil.