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terça-feira, 28 de março de 2017

PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES MORTAS


*Rangel Alves da Costa


As flores sempre serão flores, desde o broto vicejante à primeira pétala surgida, desde o seu completo florescer ao seu desvanecer na existência. Flores que brilham e encantam perante o olhar, flores que continuam vivas na recordação.
E para dizer que não falei das flores, a elas retorno noutro sentido. Não mais para dizer de seus encantos e formosuras, suas inspirações e poesias exaladas, mas para falar sobre aquelas que não mais estão em jardins, jarros ou buquês, mas continuam existindo com mesmo perfume e fulgor.
As flores são eternas, já disse o poeta. E sua eternidade está na representação, na sua simbologia, não na sua vivacidade de toque e perfume. Flores de plástico que também são flores, flores murchas que também são flores, flores de adeuses e saudades que também são flores.
As flores mortas aqui representadas são aquelas mesmas flores do jardim da memória, do pensamento, da saudade, da nostalgia. Flores mortas que ainda são visíveis ao lado das molduras dos entes queridos, nos jazigos sem flores, nos instantes de tristeza e solidão onde o olhar somente avista réstias floridas de um tempo que já não existe.
Volto-me, assim, às flores mortas, aquelas cuja significação será eterna e terão sempre a mesma beleza daquelas que surgem a cada manhã primaveril. Flores mortas que sumiram no tempo, que foram levadas pela ventania, que ao pó do jardim retornaram, mas que ainda assim continuam vivas e pulsantes.
Muito eu já disse sobre as flores vivas, sobre aquelas flores após as janelas, nos jardins de além, nas praças de um lugar, nas floriculturas enfeitadas. Mas tão menos vivas que as flores mortas, eis que tais flores vivas permanecem somente até o instante dos usos que a elas se dê. Diferente com as flores mortas, que sempre permanecem tão belas e tão dolorosas.
Assim, pra não dizer que não falei das flores mortas é que me alimento a falar das saudades e recordações por elas representadas, é que me animo a dizer de seus simbolismos ante os instantes passados, ante as lágrimas acompanhadas de flores, ante os campos abertos com suas pétalas solitárias ladeando cruzes e túmulos.
Pra não dizer que não falei das flores mortas, ainda hoje muitas avistei além da janela. Não havia jardim, canteiro, vaso ou plantação, mas elas estavam lá como noutros tempos de manhãs e cantos passarinheiros. Flores mortas que surgiam ao meu olhar como se o instante, pálido e feio, tanto necessitasse de suas presenças.
Pra não dizer que não falei das flores mortas, eis que sinto em cada saudade um buquê florido. Terna e tristonha é a recordação quando as flores não existem mais ao lado da mesinha do quarto ou por cima de algum móvel da sala de estar. Ao lado dos porta-retratos aquelas rosas e aqueles jasmins que hoje ainda perfumam a lembrança.
Pra não dizer que não falei das flores mortas, não há como não entristecer pela ausência das flores vivas e ter de se contentar com as flores de plástico sobre o umbral da janela. Mas as flores mortas, que sempre suprem a ausência das flores vivas, ainda contentam a memória pela significação no passado. É o pensamento que vai novamente colhendo cada flor de esperança.
Pra não dizer que não falei das flores mortas, pergunto-me então o que esteja vivo. Sim, o que está vivo? Mesmo flores acaso existentes em profusão pelos jardins adiante ou nos jarros enfeitados das residências, nenhuma importância terão se não forem sentidas e vivenciadas na sua essência. Diferentemente dos motivos do passado, hoje em dia pouco ou tanto faz uma rosa ou um espinho.
Para não dizer que não falei das flores mortas, talvez nelas esteja a única vida dos túmulos. E por que as flores ali existem, então nada morre, nada perece, nada é esquecido de vez. E quando as flores murcham então os olhos encontram o próprio significado da vida e sua frágil transitoriedade. E faz da saudade, da vontade de vida, o apego maior à existência. Por isso mesmo que as flores nunca morrem totalmente.
Pra não dizer que não falei das flores mortas, eis que digo do canteiro solitário de agora em comparação aos vastos campos floridos de outros tempos. Desde o nascer ao final da adolescência, todo o viver parece sempre aromático e perfumado, nutrido de flores viçosas e belas. Depois disso também, mas raros lírios e jasmins sobre a mesa da existência. Até chegar um tempo de flores de plástico. E de nenhuma flor.
Repousa, então, seu olhar também sobre as flores mortas. O passado é vida. Nele o caminho ao jardim mais belo que já existiu. E nele encontrará sua mão colhendo uma rosa nova para o seu amor. Sentirá saudade, sim. Mas necessário que seja assim. Comprova-se que as flores mortas nunca morrem em você.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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