SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 25 de abril de 2017

SERTÃO MOLHADO


*Rangel Alves da Costa


Desde cedinho da Sexta-Feira Santa (e mesmo dias antes) que passou a chover no sertão sergipano, principalmente na região onde as estiagens já se demoram pra mais de quatro anos. Não significa dizer que as chuvas caídas coloquem um fim na secura da terra, mas que as plantas logo verdejarão e as paisagens trocarão a roupagem cinzenta por um esverdeado esperançoso.
Ao menos na cidade de Poço Redondo e arredores mais próximos, as chuvas que caem servem apenas para molhar a terra e não para encher tanques, barragens e açudes. As chuvas sequer são constantes, geralmente apenas chuviscos, faltando uma assiduidade que faça lembrar os tempos de invernada. Tempos estes onde o sertanejo se vê diante da iminência da aragem e da plantação.
Mas desde mais de quatro anos que não se fala em invernada pelos sertões sergipanos. A seca prolongada já foi até lembrada como uma das maiores da história. Com efeito, os campos ficaram completamente devastados, os rebanhos sumiram na magreza, os esqueletos de animais se avolumaram pelas malhadas e pastos esturricados. Tanques sem gota d’água, cactos definhados, escassez e absoluta falta de comida tanto para o homem como para o bicho.
Numa situação tal, qualquer nuvem carregada é logo tida como esperançosa. A cada alvorecer o sertanejo se põe a olhar os horizontes e nestes as barras avermelhadas prenunciando um tempo bom. Mas nada de nuvem chegar. E a cada ano de sofrimento maior a desvalia de um povo inteiro. Dificilmente se viu uma situação de penúria tal como esta que vem sendo amargada pelo já empobrecido homem.
Verdade que passou o Dia de São José e não choveu. Costuma-se acreditar que chovendo nesse dia haverá certeza de mais chuvaradas mais adiante. Planta-se para a colheita no São João e para a festança ao redor das fogueiras. E quando não chove também o esmorecimento no homem ávido por sulcar a terra para lançar sua semente boa.
Contudo, após o Dia de São José começou a serenar com mais frequência, a chuviscar bem mais que em meses e até anos seguidos. De vez em quando uma chuva mais forte, porém localizada e sem afastar do sofrimento o bicho sedento. Chuvinha pouca e sem juntar qualquer meio palmo de água no tanque. Já ao entardecer e o barro já se formou novamente.
Nos últimos dias, entretanto, as torneiras de riba se abriram mais. Ao invés do sol escaldante e do calorão de ferver asfalto, as nuvens chegaram e nublaram tudo. O sertanejo que esperava chuva forte, de correr por cima da terra, encher tanque e fazer enxurrada, teve de se contentar com o pingar miúdo, fino, sem força de juntar água. Um alento, apenas.
A serventia da pouca chuva de agora é somente para molhar a terra e diminuir o calor. A água juntada vai logo embora pela secura que forma barro no fundo do poço. No conhecimento matuto, chuva para juntar água e plantar só serve aquela que desce em trovoada e depois permanece caindo com mais vagar. A chuva forte serve ao tanque, ao barreiro, ao açude, enquanto a mais fina serve para molhar a terra até sua fundura.
Mas o sertão vem aos poucos se molhando. E terra molhada é sinal de que não demora muito e a planta retoma seu viço e sua cor, que o pé de pau logo vai se encher de folhagem novamente, que as plantas rasteiras e os capins logo terão vida nova. Mesmo sem água juntada, a fome do gado será logo diminuída pelos brotos que surgirão por cima da terra renascida.
De qualquer modo, a chuva ou chuvisco que de repente cai é sempre uma benção ao sertanejo. Não demora muito e pelas estradas e veredas sertões adentro, onde tudo estava morto ou esturricado de sol, o que se terá adiante será uma colcha de cores muito diferentes daqueles que o sertanejo tem se acostumado a presenciar. Corre-se o risco de as nuvens prenhes sumirem e tudo definhar novamente, mas no presente a esperança maior.
Um novo olhar do sertanejo perante o seu mundo já é reconhecido de passo a passo. Muitos já não suportavam mais a dor pelo sofrimento do seu bicho de cria. Já não havia mais a aquém correr senão às forças do alto. E bastou que serenasse um dia e no outro os pingos já começassem a cair com mais força que toda esperança foi renovada. E não haverá festa maior se de repente os trovões e os relâmpagos anunciarem a chegada das trovoadas.
Ainda não será tempo de juntar farta comida para o bicho, mas não demora muito e o animal vai ser avistado de cabeça baixa catando seu pão. A graça divina chegada ao sertão molhado, com a esperança de que as torneiras de riba se abram de vez para que o homem se ajoelhe somente perante Deus para agradecer, e não perante qualquer político para implorar um pão, uma cuia d’água.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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