SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 6 de abril de 2017

A FLOR DA VIDA E SUA DURAÇÃO


*Rangel Alves da Costa


Flores existem que duram muito tempo após o nascer, já outras duram apenas alguns dias e ainda outras que vão embora pouco tempo depois de desabrochar. Enquanto os gerânios e as begônias possuem longa existência, a flor do mandacaru dura apenas uma noite. Neste sentido, o tempo de existência das flores em muito assemelha à vida e sua duração. Flores e vidas que nascem e se vão segundo as dádivas das estações.
O girassol procura o sol após o amanhecer e dele se alimenta para continuar existindo. Já outras flores se alimentam da noite e perdem todo o seu viço após o amanhecer. Com a flor do mandacaru é assim. Bem que poderia ser flor de orvalho, flor de brisa, flor de sopro, flor de ventania, mas é flor de mandacaru. A roseira continua bela nas manhãs seguintes, e belamente vai até sua flor lentamente murchar. O mesmo com outras flores.
Que coisa mais estranha na natureza. Durar tanto para brotar e se formar, e depois florescer e durar apenas uma noite. Mas assim é a vida tão efêmera da flor do mandacaru. Não há exemplo maior de transitoriedade, de fragilidade, de existência tão curta quanto bela. Assim também com tantas vidas humanas.
As flores do mandacaru esperam o luar sertanejo para se abrirem. Nos noturnos sertanejos, lentamente vão irrompendo de seu casulo esverdeado para desabrocharem em beleza sem igual. Abrolham ao clarão da lua e recolhem suas pétalas ao primeiro sol. Já não possuem vida em flor.
Recolhem e recurvam suas pétalas para não mais se abrirem. Muitas flores existem que se repetem nas manhãs seguintes, que novamente se abrem com a mesma beleza, mas não com a flor de mandacaru. É de vingar único e por poucos instantes da vida. Pessoas também possuem ciclos assim, de quase inexistências.
Ao nascerem, logo as pétalas se abrem em majestade. E certamente o olho dirá que ainda assim estarão no dia seguinte e no outro dia. No primeiro raio de sol, contudo, as pétalas já estarão definhando e assim continuarão até novamente se recolherem, murchas, ao casulo.
E eis outro paradoxo na tão bela flor e seu ventre, entre a flor do mandacaru e o próprio mandacaru. Qual sentimento de um ventre que, em meio a tantos sacrifícios e dificuldades, vai lentamente gestando aquilo que vai morrer poucas horas após nascer?
Que estranha sensação no mandacaru. De seu ventre magro, seco, ossudo, sobre sua pele rija e espinhenta, e de repente o nascer da mais bela flor entre todas as flores. Porém sem tempo sequer de se alimentar de sertão e encontrar no meio a mesma força de sobrevivência.
Mas é mesmo um nascer destinado à morte. O broto vai lentamente surgindo na magreza do mandacaru, formando um fruto ovalado e esverdeado, até que vão sendo divididas as sépalas que recobrem as pétalas, e então a noite chega e logo cuida de desabrochar a flor.
Já nasce bela, grande, majestosa, pois as pétalas rapidamente despontam como encantamento. E num instante, o que era apenas como um fruto ovalado, irrompe de seu ventre uma magia sem igual. A flor que resplandece como lua cheia em meio à escuridão.
Um mistério a ser desvendado pela natureza. Enquanto o mandacaru dura um século inteiro em meio ao calor escaldante, ao sol abrasador, perante as secas mais devastadoras, de seu ventre surge a flor que não dura sequer um segundo da vida inteira do próprio mandacaru.
E também o mistério do florescimento naquilo que já se imagina sem vida. Ora, chega um tempo que o mandacaru está tão magro e tão seco que ninguém imagina existir ali senão espinhos. Mas em meio as espinhos vai brotando a vida tão belamente transformada em flor.
Na flor do mandacaru há, assim, uma desalentadora simbologia: a efemeridade da vida. E, neste sentido, a curta duração das coisas, a fugacidade das situações, a transitoriedade dos fatos e das existências. Tudo nasce para morrer, numa sina, num destino.
A flor do mandacaru como uma lição do Eclesiastes: há um tempo de tudo, tempo de nascer e tempo de morrer, tempo de sorrir e tempo de entristecer. Assim também no tempo de muitos amores: um amor tão amado e na manhã seguinte já simplesmente desamado.
A flor do mandacaru como espelho da própria vida e o permanente desejo humano de se transformar em outra flor logo ao nascer e assim permanecer estações após estações. E reabrir suas pétalas a cada manhã, viver as belezas da existência a cada dia, até a terra novamente chamar para o seu leito.
Não há como fugir dessa realidade. Vidas e flores efêmeras e duradouras, vidas e flores que chegam e desaparecem ou permanecem existindo pelos canteiros dos anos. Cada pessoa como um jardineiro cuidando de si mesmo, regando a cada instante seu desejo de renascer pulsante a cada manhã.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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