SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 30 de abril de 2017

Palavra Solta - a canção da pedra


*Rangel Alves da Costa


Tempo, tempo, que não venha o vento, que não venha a chuva, que não venha o musgo, a me devorar. Tempo, tempo, tão longa no tempo, tão distante na estrada, tão filha do tempo, longa caminhada. E no silêncio a noite, e no silêncio o dia, e no silêncio todo o tempo que o tempo tem. Tempo, tempo, quanto desprezo pela minha existência, como se tudo eu fosse e fosse nada. Tudo eu sou quando em cima de mim querem repousar, quando sobre em mim querem jogar o mundo, quando no meu leito querem chorar suas dores. Tempo, tempo, sei que tenho a palavra, sei que tenho o verbo, mas ninguém quer ouvir. Ouço vozes acima de mim, ao meu lado, mas sou silenciado quando quero falar. Ora, dizem que a pedra é nada, que a pedra é estorvo onde ela esteja. De repente lançam armas pontas nas minhas costas, então lanham, então quebram, então me dividem. E em silêncio continuo com a minha dor. Apenas uma pedra, apenas uma pedra. E um dia o profeta meditou sobre o mundo bem sobre os meus braços. Um dia um viajante parou para descansar e meditou sobre a vida e a morte. Eu quis falar, mas ele não quis ouvir. Ninguém fala com a pedra. Esquecem, contudo, que todos eles são mais pedras que eu, que são muito mais petrificados que eu. Esquecem eles que apenas viram pó, que somem de tudo. E eu, ainda que como pó seja levada ao vento, nas paredes do tempo abrirei meus braços para a eternidade, pois o homem vira pó, mas a pedra renasce pedra do próprio pó. E pó sobre pó, a petrificação, uma nova pedra.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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