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sábado, 6 de março de 2010

DIÁLOGO ENTRE A SOLIDÃO E A SOLITUDE (Crônica)

DIÁLOGO ENTRE A SOLIDÃO E A SOLITUDE

Rangel Alves da Costa*


Ao entardecer, quando a solitude encontrou a solidão, esta estava sozinha num lugar qualquer, como sempre acontece. Como se sabe, a solidão e a solitude são da mesma família, ou seja, do gênero segregação, mas se diferenciam quanto à espécie, pois a solidão é da espécie distanciamento, enquanto a solitude é da espécie isolamento. Num conceito mais específico, a solidão é um sentimento que causa uma profunda sensação de vazio e distanciamento da realidade; enquanto a solitude é a solidão provocada pela pessoa, que busca o isolamento para refletir.
Assim, após esse inesperado e até indesejado encontro, vez que as duas, com ares de tristeza e melancolia, pareciam não querer encontrar ninguém, começaram a conversar desinteressadamente, num diálogo que mais parecia entre a ostra e o vento, com palavras que iam se dispersando no vento.
Solitude: Como você anda, que nunca mais a encontrei nesse lugar?
Solidão: Estou como sempre estive, com uma tristeza que parece não ter fim. Não tenho vindo aqui porque prefiro estar no meu cantinho onde ninguém me incomode. E você, como tem passado?
Solitude: Fazendo o que posso pela vida e mesmo assim nunca sou compreendida. Dizem que sou fechada, que só me incomodo comigo mesma e até que prefiro estar sozinha de que com as amigas. Mas a verdade é que quase não tenho ninguém em quem confiar, a não ser em mim mesmo, por isso é que gosto de estar sozinha conversando comigo mesma.
Solidão: É mesmo, existem pessoas que acham que temos de ser como elas, brincalhonas, arrumando motivos em tudo para o sorriso e até para a algazarra. Sou como sou e não sinto o menor desejo de ser como elas. Já pensou se eu vivesse com cara de felicidade no rosto de todo mundo? Seria pior, pois quando me trancasse no quarto a dor seria ainda maior.
Solitude: Não há coisa pior do que querer falsear uma realidade que se vive, ser aquilo que não sente e sabe que não é. Quem vive agindo assim nunca se dá bem. Veja o que aconteceu, por exemplo, com a lágrima, coitada. Fingiu até não poder mais que estava bem e quando não pôde mais suportar virou um grito de desespero, um choro desesperado que quase lhe parte o coração. Ficou quase um mês internada no hospital da saudade.
Solidão: Coitada, mas não tá vendo que eu não me submeto a isso? Prefiro mil vezes ser fiel ao meu destino, que é estar no meu cantinho sem ser incomodada por ninguém, estar distante das pessoas e pertinho de quem quero estar pensando, ficar horas, dias e até meses com a certeza de que devo estar sozinha porque os meus problemas resolvo sozinha, permanecer calada o tempo todo para não abrir a boca e esculhambar com o mundo.
Solitude: Até parece que somos gêmeas, porque também sou assim, só que, diferente de você que não age assim por querer, mas por necessidade, eu mesma procuro me afastar dos outros e refletir sobre minha sina onde ninguém vá me atrapalhar. Por isso é que gosto da paz e do silêncio das igrejas, de me trancar no quarto olhando a chuva cair pela janela, de qualquer cantinho onde possa viajar pelos meus erros e acertos.
Solidão: O problema é que a maioria das pessoas acha que somos problemáticas, que temos algum distúrbio psicológico. Sabe o que disseram outro dia? Que eu estava enlouquecendo. E isso porque só me encontravam quieta, sisuda, calada e triste lá no terraço de minha casa. Disseram até que eu poderia cometer suicídio a qualquer instante.
Solitude: Mas não é de se esperar outra coisa dessas pessoas que mostram vivacidade demais só por fora. Por dentro já sabe, é como um túmulo aberto. Por isso mesmo é que vivo assim, feliz do meu jeito triste, e quem estiver achando ruim que viva com sua falsa alegria.
Solidão: É, vamos deixar isso pra lá, pois eles que se danem. E você, tem namorado muito?
Solitude: Amor, o que é o amor, nem lembro mais do significado dessa palavra. Fico triste toda vez que penso nisso. Sei que rima com ardor, bom sabor, mas também com dissabor, e é tudo o que sei na minha vida solitária.
Solidão: Mas você está chorando?
Solitude: Não estranhe. Já me acostumei com a lágrima, talvez ela seja o meu único amor. E você, está amando?
Solidão: Estou amando muito. E todo dia ao anoitecer ele vem, povoa e maltrata minha solidão e depois vai embora voando pela janela, em direção à lua. Sei disso porque fico olhando a lua a noite inteira.



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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