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domingo, 21 de março de 2010

LAUDO SOBRE A MORTE DO AMOR (Crônica)

LAUDO SOBRE A MORTE DO AMOR

Rangel Alves da Costa*


Diferentemente do que as pessoas especulavam e toda a imprensa noticiava, o amor não morreu de infarto, de complicações orgânicas, de falência múltipla dos órgãos, de morte matada, de overdose, por suicídio ou acidente, mas sim de causa indeterminada. Ao menos é isto que consta do laudo.
Na verdade, o exame de necropsia da morte do amor, cujos dados constam no laudo, em linhas gerais informam que "o sentimento profundo de um coração apaixonado" não suportou "as reiteradas desilusões que eram constantemente perpetradas contra seu profundo e inocente desejo de ser correspondido", com a conseqüente "paralisia das esperanças e dos sonhos" e uma terminal "infecção na confiança traiçoeira do outro", cujos elementos em seu conjunto "redundaram na passagem para o além desse ser incompreendido que só queria amar", "sem qualquer aparente dano físico, apenas com um trauma profundo no coração". Consta ainda que morreu sozinho, enquanto pensava em alguém, na flor da idade e na rua das flores esquecidas, sem número, no conjunto da saudade.
Indaga-se, então: Por que o exame é tão conclusivo e fizeram constar do laudo que o amor morreu de causa indeterminada? Não seria morte natural? Simplesmente porque acharam que seria muito poético afirmar que o amor morreu de amor. Tal confirmação, contudo, geraria outro problema de interpretação, pois alguém poderia dizer que se o amor morreu de amor cometeu suicídio, pois aquele que se arrisca a demonstrar que ama demais, que deseja demais, que possui paixão verdadeira, outra coisa não faz senão estar desgostando da própria vida e preparando-se para dar morte a si mesmo.
Mas o amor não teria motivo algum para cometer suicídio, alguém poderia dizer. E certamente acrescentaria que não tinha motivos para tal porque ainda amava e esse amor, mesmo que transformado em martírio e sofrimento, seria o instrumento maior para a superação, para dar a volta por cima e encontrar outro amor verdadeiro. É que aprendendo com os próprios erros, mais cedo ou mais tarde o amor passa a conhecer seus limites e não ultrapassará a voz da razão nem deixará se enganar com as falsas promessas, com as exigências além do que pode doar e muito menos com o outro amor que ama somente da boca pra fora.
Ora, considerando-se que todo amor é forte e expressivo demais para morrer de morte indeterminada, e nem que tenha cometido suicídio, o problema que causou a sua desgraça só pode ter sido o desgosto, concluiu um estagiário de medicina. Desgosto porque quando as pessoas de repente morrem e sempre põem a culpa no infarto ou ataque cardíaco, outra causa não foi senão a tristeza crônica, a solidão eternizada, a rejeição injustificada e o constante sentimento de abandono, tudo isso causando um profundo desgosto na vida, que é um passo certeiro para a morte. E em todos esses casos citados a causa geralmente foi determinada pelo amor desamado. Assim, o desgosto no amor foi a causa mortis do amor.
Ao ler sobre tantas discussões e pontos de vista contraditórios, uma jovem humilde, que há algum tempo vinha tendo sérios problemas com a síndrome do amor não correspondido e que estava fazendo tratamento para desamar, sintetizou bem a questão em sua desgastado "meu querido diário" e talvez tenha sido muito mais coerente do que os legistas e outros profissionais da medicina:
"Puro engano desses que querem encontrar causas para a morte do amor, pois aquele sentimento que viram estendido sem vida era uma paixão mal resolvida que não suporta qualquer dor de saudade e desfalece. Pois o amor verdadeiro, por ser imune às epidemias da banalidade e aos surtos das relações passageiras, nunca morre, eterniza-se enquanto durarem sobre a terra as pessoas de sentimentos verdadeiros. Ademais, mesmo que queiram chorar sua partida e enterrar seus restos em qualquer vão escurecido e solitário, o amor é espírita e reaparece, retorna para cumprir seu papel; o amor é fênix e renasce das cinzas ainda mais forte; o amor é amor e basta-se em si mesmo para ser imortal".
De qualquer modo, no velório daquilo que se tinha por amor, morto por morte indeterminada, estava presente somente o amor que não havia morrido. Chorou e por vezes quis estar naquela feição de ausência, mas pensou e pensou e concluiu que era muito melhor continuar cumprindo sua sina dentro daqueles corações que procuram ser felizes em seu nome.



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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