SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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segunda-feira, 1 de março de 2010

NO REINO DO REI MENINO – XX

NO REINO DO REI MENINO – XX

Rangel Alves da Costa*


Gustavo nem estava acreditando no que via, um monte de meninos na sua idade e boa parte deles com urina escorrendo pelas pernas, se não tivessem feito coisa pior. Bando de fracotes, disse a si mesmo. Qual seria o comportamento deles diante de uma situação de perigo, de um inimigo que se aproximava ou de qualquer outro fato desagradável? Estes já estavam eliminados, tinha a certeza disso. Restava somente decidir quais seriam os escolhidos, e isto parecia não ser uma tarefa fácil. Olhou para Bernal, que estava com uma mão cobrindo o nariz, todo desconfiado, e ordenou que dispensasse aqueles que estavam naquele lastimável estado. Os que demonstraram ter um organismo mais forte e suportaram a situação ficariam ali, limpando o salão que ainda continuava de pernas pro ar. Voltaria dentro de dez minutos, avisou.
Subiu para a torre do castelo e lá no alto, na janela onde gostava de ficar apreciando a paisagem, percebeu que lá fora começava uma chuva fina que aos poucos ia aumentando de intensidade. O horizonte estava totalmente escurecido e isto era sinal de que uma chuva muito mais forte cairia sobre o reino. Mesmo com o fiel escudeiro ao seu lado, preferiu ficar em silêncio, pensativo, e preferia que Bernal não interrompesse aquele rápido instante de reflexão. Verdade é que a chuva que caía lhe fez um menino entristecido, de um olhar mirando as distâncias molhadas e parecendo querer enxergar algo ou talvez tê-lo somente na mente naquele instante.
Onde estariam e como estariam seus pais agora? Não tinha nenhuma lembrança boa do seu pai e muito menos vontade de reencontrá-lo, pois alguma lhe dizia que fugir daquele jeito não é fato normal que seja praticado por uma pessoa que não tenha nenhuma culpa, que seja inocente. O fato de ter fugido apressado e levado consigo toda a riqueza do reino já demonstrava o tipo de caráter que ele tem. Não, não estava nem aí para o seu pai e nem para o destino que ele tivesse. Quem faz aqui paga aqui mesmo, já tinha ouvido alguém falar. Então que ele pagasse pelos seus erros. Contudo, o problema era sua mãe. Pensar nela, isto, sim lhe angustiava, pois sabia que só tinha acompanhado seu pai porque foi forçada a isto. Gostaria imensamente que ela estivesse ali, naquele momento ao seu lado, orientando, cuidando do seu menino, amando como ela sempre demonstrava e fazia. Estaria sofrendo, como estaria agora sua mãe, com aquele jeito meigo de mulher e mãe, com as doces palavras que faziam bem ouví-las. Gostaria de agora estar ao seu lado para abraçá-la e beijá-la, para dizer que um menino rei verdadeiramente lhe amava. Onde estaria e como estaria sua mãe agora? Um dia a traria de volta, nem que fosse em troca do seu reino, mas a traria. Tal era o pensamento de Gustavo, refletido nos olhos tristes que procuravam enxergá-la nas distâncias e que choravam naquele instante.
- Meu rei, está com algum problema? Ora, se a chuva não está molhando aqui, então isto que escorre pelos seus olhos são lágrimas. Sente alguma dor ou coisa parecida? Há minutos atrás estava alegre, mandão, sorridente e agora fica com todo esse ar de tristeza e até chega a chorar, então não pode ser coisa boa. Te imploro, meu rei, me fale o que está acontecendo – Era Bernal, preocupado com aquele estranho estado do amigo.
- Não se preocupe meu bom Bernal, é apenas a chuva que entristece a natureza e deixa a gente também mais triste, mas já passou. E quanto às lágrimas, foi apenas um cisco do telhado que caiu sobre o meu olho, e como um olho não chora sozinho, os dois choraram, mas tudo já passou – Tentou justificar o ainda entristecido rei.
- Não me venha com invenções meu rei. Esse cisco tem nome e bem sei o nome que tem, e chama-se Lize, sua mãe. Bem sei que sente saudades, que gostaria que ela estivesse agora ao seu lado nesse primeiro dia de reinado, mas mesmo na chuva enxergo as estrelas e elas dizem que um dia ela estará aqui novamente, neste mesmo castelo, para viver ao lado do filho que tanto ama – Falou o feiticeiro, enxugando os olhos do amigo com um lenço surgido não se sabe de onde.
Procurando afastar de vez o amigo daquele estado melancólico, o feiticeiro do bem lembrou que já estava na hora de resolver logo a questão dos meninos que estavam lá embaixo. "Já sabe o que vai fazer pra escolher?", perguntou. "Claro, mas você vai ter uma surpresa", respondeu Gustavo. E nova angústia recaiu sobre Bernal. O que será que esse danado vai aprontar agora, ficou imaginando.
Ao entrar no salão o rei foi logo dizendo:
- Parabéns, todos vocês foram escolhidos e farão parte da administração real. Amanhã logo cedinho, esteja tempo estiado ou caindo um temporal, quero que se apresentem no castelo e estejam prontos para a primeira tarefa, pois terão que acompanhar o rei numa caçada no pântano negro dos crocodilos famintos. Não esqueçam, às quatro da manhã.
Diante dessa notícia cada um foi saindo, sem demonstrar qualquer gesto de alegria por ter sido escolhido. Alguns até pareciam mais tristes do que quando chegaram. E quando restavam no salão apenas o rei e Bernal, este, que tinha observado nas palavras do amigo uma verdadeira loucura, foi logo dizendo:
- Meu rei, mas esta é a maior loucura que já ouvi alguém falar, pois até hoje ninguém saiu vivo do grande pântano negro dos crocodilos famintos... – Pretendia falar mais, quando foi interrompido por Gustavo.
- Nem eu sairei vivo se for lá, disso tenho certeza. Mas é nisso mesmo que está a grande descoberta, pois você acha que quantos terão coragem de estar aqui amanhã conforme o combinado? Os que estiverem dispostos mostrarão que são realmente capazes.
- Genial meu rei, e isso merece um bom pedaço de vitela assada, pois já é hora do almoço – Disse satisfeito o feiticeiro.
- Agora não, pois vou logo brincar um pouco.


continua...



Advogado e poeta
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