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segunda-feira, 1 de março de 2010

SEIVA BRUTA, A NOSSA (Crônica)

SEIVA BRUTA, A NOSSA

Rangel Alves da Costa*


No mundo vegetal, a vida vai se formando desde a raiz e vai se desenvolvendo e fortalecendo por uma série de fatores que se relacionam para que a planta cumpra com perfeição o seu papel na natureza.
No mundo animal, na esfera pertencente ao homem, a vida é conseqüência também de uma série de fatores que - muito mais do que a geração de um filho por parte dos seus pais – estão enraizados nos ancestrais, nos antepassados, nas gerações, em toda uma história que predisporá mais tarde o indivíduo a ser o que é. Isto, porém, considerando-se o homem como ele vem ao mundo e não como o mesmo age e se transforma neste mundo.
Chamamos de seiva bruta a estes fatores que se relacionam para possibilitar a vida. Nas plantas, a seiva bruta está presente na água e nos sais minerais absorvidos pelas raízes que circulam e sobem pelos vasos lenhosos do caule e chegam às folhas, onde se transformam com a fotossíntese. No homem, a seiva bruta é o sangue que se espalha pelas veias e vai passando a refletir a força, o caráter, o vigor, o comportamento, as predisposições para se situar na vida e nela agir e interagir.
Ora, o sangue que corre nas veias e nas artérias de cada indivíduo não é somente um líquido vermelho que vai levando a todos os setores do organismo o oxigênio e os elementos nutritivos específicos. Muito mais do que isso, o sangue, essa seiva bruta, é exterior ao próprio homem, pois fruto de um longo processo que, se for considerado as origens de cada um, parte de uma só ramificação, de um ancestral comum, perpassando por nossos pais, pelos nossos avós, pelos nossos bisavós, os pais destes e os pais destes, e assim por diante, até ir se afunilando até chegar aos primeiros pais de toda a geração, ao homem e a mulher que geraram a primeira prole e fizeram escorrer daí por diante toda a seiva bruta que temos.
Haveria de se indagar o porquê dessa seiva bruta ser tão diferente nas pessoas, vez que todas fruto do mesmo ancestral. Seria uma resposta simplista afirmar que as novas famílias que se formaram possibilitaram também a formação de uma nova composição genética, dando características próprias ao sangue que corre nas veias da família. Do mesmo, não seria coerente simplesmente afirmar que cada família que se forma vai passando a ter características hereditárias próprias, que são repassadas para os seus filhos. Não, e simplesmente porque o elo hereditário ainda estaria vinculado à primeira família que se formou, ou seja, todas as famílias posteriores estariam geneticamente dependentes da primeira família. Diante dessa situação, há de se indagar ainda: e por que o sangue, a seiva bruta, foi se transformando de família para família e nos filhos desta?
A resposta não poderia ser outra: a seiva bruta do homem não está no seu sangue, que originalmente é puro, mas sim no seu caráter, que é impuro por natureza. Ora, conceitualmente, caráter é o conjunto de reações constantes de cada indivíduo, nas condições ambientais em que vive; é o traço hereditário distintivo; é o aspecto psicológico da individualidade. Afirma-se ainda que ele pode ser adquirido, quando o indivíduo sofre influência do meio, ou dominante, quando se desenvolve pela predisposição do próprio indivíduo. Em síntese, caráter é a boa ou má índole que o indivíduo carrega consigo, seja porque foi influenciado ou porque nasceu mau caráter e será sempre como tal. Como o indivíduo não nasce com caráter puro, vez que não há hereditariedade pura, logicamente que a tendência é o desenvolvimento de um caráter mais impuro ou menos impuro. É aí, pois, que reside a questão da seiva bruta do homem.
Quando se diz que o indivíduo tem sangue quente é para indicar que o mesmo é violento; quando se diz que o indivíduo tem sangue no olho é para dizer que o mesmo é destemido; quando se diz que o indivíduo parece que tem água nas veias é para indicar que o mesmo não reage a nada; quando se diz que o indivíduo tem sangue de barata é para afirmar que o mesmo é duro demais pra ceder; e, em todos esses exemplos, sangue significa caráter, fruto da mais exemplar seiva bruta do homem: ignorância, brutalidade, violência.
Daí que forçoso é concluir que a seiva bruta do homem não corre nas suas veias, mas exterioriza-se nos tipos de caráter que nos deparamos no dia a dia. O sangue não poderia ser culpado pela péssima índole que se generaliza e é deveras lamentável quando um marginal encontre outro e fale: "Diga aí sangue bom!". Mau caratismo puro.

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