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segunda-feira, 1 de março de 2010

NO REINO DO REI MENINO – XXII

NO REINO DO REI MENINO – XXII

Rangel Alves da Costa*


Conduzido imediatamente à presença do pequeno rei, o cavaleiro guardião das fronteiras relatou o que estava ocorrendo:
- Majestade, realizando a patrulha de rotina, o grupo que faz a vigilância da fronteira da parte sul do reino, do qual tenho a honra de fazer parte, constatou ao longe a aproximação de um bando desconhecido de homens montados em cavalos e portando a bandeira de um reino que não conhecemos bem. Mesmo com o péssimo estado do emblema, pudemos verificar que se trata de um tal de Reino de Edravoc. Como estavam se aproximando demais, demos a ordem para que todos parassem e se identificassem, pois do contrário seriam atacados e trucidados. Respeitaram nossas ordens, mas disseram que só sairiam dali quando nosso rei recebesse no castelo um emissário do outro rei para tratar de assunto de grande interesse para os dois. Foi somente isto majestade, restando apenas que eu volte, junto com outros cavaleiros que me acompanharam, para dar alguma resposta.
O rei Gustavo estava dando banho no seu camaleão de estimação e assim continuou enquanto o soldado fazia o relato. Após o término, disse que chamasse os outros cavaleiros que o acompanhavam para o refeitório do castelo que iria mandar servir alguma alimentação e logo após daria a sua resposta. Surpreendidos com tal notícia, os guardiões entraram famintos, atropelando uns aos outros, quase correndo para se deliciarem com aquela merenda que talvez tivesse o melhor sabor já experimentado nas suas vidas.
Conforme prometido, logo após a ligeira refeição dos soldados, Gustavo falou o que o soldado deveria repassar ao chefe daquele grupo estacionado na fronteira. E disse que aceitaria receber em audiência o emissário do tal reino, mas somente ao entardecer do dia seguinte e sem que o grupo arredasse o pé dali, sob pena de serem feitos prisioneiros por seus soldados.
Assim que os seus guardiões saíram disse a Bernal, que já estava impaciente porque o rei não havia permitido que se intrometesse na conversa:
- Acho que agi bem, seu revoltado feiticeiro. Amanhã aqueles homens estarão mais indispostos, mais fracos e de um homem faminto que vê um prato de assados bem na sua frente fica mais fácil de ouvir dele o que não deveria falar.
- Meu rei, esse é apenas o segundo dia do seu reinado e já fala e faz estratégias como se já estivesse no poder desde a barriga de sua mãe. Onde aprendeu essas coisas, essas artimanhas próprias de quem quer vencer o inimigo sem derramamento de sangue? – Perguntou o feiticeiro, meio desconfiado da astúcia do garoto.
- Ora, Bernal, existem coisas que não precisa que ninguém ensine. De tanto a gente ver acontecer acaba aprendendo sem querer. Sabe aquela estória que diz que o menino para de chorar quando vê um doce, do mesmo jeito ocorre com o adulto, que abre a boca quando vê comida. Pois é assim que vai ser. E amanhã, assim que o tal emissário faminto chegar cuide pra que ele veja próximo um chamativo pedaço de carne com um vasilhame de vinho a seu lado. Vou descobrir mais desse desafortunado e desconhecido rei do que ele próprio imaginaria, e com certeza irá se arrepender de ocupar quem tem mais o que fazer – Disse o satisfeito Gustavo, com os olhos brilhando como se estivesse para dar o bote em alguma coisa.
Ao entardecer do dia seguinte chegaram ao castelo dois guardiões acompanhando o emissário do rei do desconhecido reino. Pelo aspecto físico do homem, logo se via seu deplorável estado, mesmo que tentasse manter a todo custo um porte de importância, como quem quisesse dizer que mereceria ser visto na mais alta consideração, afinal era enviado em missão especial por um soberano. Contudo, a verdade é que por dentro desejava mais era mesmo cumprir logo sua tarefa, transmitindo o recado ao pequeno rei, para depois, quem sabe, ser agraciado com alguma comida e bebida.
No grande salão do castelo, onde Gustavo receberia o emissário, todo o cenário já estava montado. Bernal não esqueceu sequer de mandar aproximar mais a mesa do local onde o rei e o estranho ficariam sentados. Quando o indivíduo foi levado à presença do rei e este acenou mandando que sentasse, uma das criadas surgiu numa das portas do salão com uma grande bandeja com iguarias ainda fumegantes e espalhando um irresistível cheiro de comida boa por todos os lados. E o indivíduo ficou totalmente desnorteado, sem saber se olhava para Gustavo ou para a mesa, começou a suar frio e foi preciso que o rei mandasse providenciar um copo d'água.
Quando o indivíduo, ainda com os olhos vagueando pela mesa, deu sinais de que já estava pronto para conversar, o pequeno rei tomou a iniciativa:
- Espero que tenha trazido boas novas desse seu rei que ainda não tive o prazer em conhecer, porém como sei que deve estar de estômago vazio pela longa viagem, vou mandar que sirvam agora mesmo algumas fatias de queijo com um cálice de vinho, e após você me relatar minuciosamente o que lhe trouxe aqui poderá se fartar com aquela comida toda que está sendo colocada à mesa.
Diante dessa notícia o emissário quase fica de joelhos, seus olhos queriam lacrimejar, sua boca inundou de mil sabores inexistentes, era a manifestação em pessoa da satisfação e do agradecimento. E se apressou em dizer:
- Sim nobre soberano, ficará sabendo de tudo e muito mais, se assim desejar.
Bernal, escondido por trás de uma cortina, prendia-se ao extremo para não gargalhar com aquela cena.


continua...


Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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