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segunda-feira, 1 de março de 2010

PROVE QUE VOCÊ TEM LIBERDADE

PROVE QUE VOCÊ TEM LIBERDADE

Rangel Alves da Costa*


Sem pretender ser pessimista, cético ou descrente, e contrariando a sua ideia de que é livre porque pode ir e vir por aí como bem entender, vou provar que a liberdade é algo impossível, inexistente, jamais alcançada e que os seus diversos conceitos não passam de formulações teóricas para encobrir o fato de que o homem, mesmo que não esteja prisioneiro ou tenha alguma restrição de direitos, nunca teve a liberdade que utopicamente pensa ter.
Nos livros e na mídia em geral tornou-se lugar-comum encontrar citações dando conta de que a liberdade é o bem maior que o indivíduo pode ter; que a liberdade da pessoa humana é preceito que deve ser obedecido por todas legislações dos Estados modernos; que a liberdade é a regra que as leis devem garantir aos cidadãos; que a liberdade se constitui na inalienável expressão de vontade que possui o ser o humano. E por ao vai, colocando-se sempre a liberdade como algo que deve ser inarredável no indivíduo.
Contudo, quando as leis, as teorias e os doutrinadores tratam da liberdade, sempre é no sentido de expressá-la como fato que realmente existe e que por isso mesmo deverá ser garantida e protegida. Ora, mas são estas mesmas leis e os conceitos que impõem à liberdade que logo demonstram ser ela limitada, e sendo limitada, dentro do valor que se dá ao nome liberdade, logo se vê que ela não existe na sua plenitude. E o que não tem existência plena não é realizável na sua plenitude. E por que? Porque onde é dito liberdade logo a seguir é dito "desde que", "não contrariando as normas". "não infringindo a lei", "desde que não restrinja a liberdade de outrem". E o que isto significa? Significa que dão e ao mesmo tempo restringem a liberdade.
Por exemplo, se um pai diz que um filho já é maior e por isso mesmo tem a liberdade de fazer o que lhe venha à cabeça, mas que não aceita que ele durma fora de casa, use drogas ou freqüente determinados ambientes, logicamente que não está expressando liberdade alguma com relação ao seu filho. Do mesmo modo, quando a lei diz que todos tem a liberdade de ir e vir, porém nos limites das regras do direito, simplesmente não está dando liberdade alguma. Ora, o termo liberdade pressupõe o que é livre, e sendo como tal, livre, cabe a cada um saber o que fazer enquanto ser livre, sem que haja uma vírgula em qualquer lei ou conceito que lhe imponha meia liberdade ou quase liberdade. Na verdade, não há nenhuma liberdade, em situação alguma.
Os conceitos que ao longos dos anos foram sendo construídos para expressar o que seja liberdade são muito elaborados, bonitos, com uma intensa carga de humanismo, mas só isto, pois na prática não possuem validade nenhuma. Assim, temos que a liberdade é a faculdade humana de determinar os próprios atos; é a ausência de sujeição e subordinação; independência; estado da pessoa livre, sem restrição externa ou coação física ou moral. É ainda a faculdade de uma pessoa fazer ou deixar de fazer, por livre e espontânea vontade o que bem entender. Em geral, é o não estar preso de maneira alguma, o estar isento de trevas, de qualquer espécie de determinação proveniente de fora, contanto que dita isenção esteja unida a uma certa faculdade de autodeterminar-se espontaneamente.
No nosso entendimento, a liberdade deveria ser o poder que cada indivíduo tem de fazer ou deixar de fazer alguma coisa, de ir e vir quando e para onde entenda, sem que haja qualquer tipo de restrição sobre isso. Contudo, não tenho a liberdade de querer assim porque o próprio conceito de liberdade já traz restrições dentro de si: liberdade é a faculdade de praticar tudo aquilo que não é proibido por lei. Ora, e a lei pode proibir que alguém faça o que quiser e do modo quiser? Ou a lei deve punir o indivíduo que fez o que não era permitido? Como se vê, antecipadamente a lei já restringe a liberdade do indivíduo, dizendo o que pode ou não fazer, o que deve ou não fazer. Então me diga: existe liberdade?
Ora, o indivíduo nasce nu, andou nu por muito tempo e bastou que o homem evoluísse para que fosse proibido de andar sem vestimenta alguém. Quer dizer, perdeu a sua liberdade original e ainda corre o risco de ser preso por atentado violento ao pudor. O indivíduo possui liberdade de expressão, mas não pode usar suas palavras na dimensão que entenda. Não se tem a liberdade de abrir a boca e dizer a verdade porque corre o risco de ser processado por calúnia, injúria ou difamação. O indivíduo possui a liberdade de ir e vir, mas não pode ultrapassar a fronteira de um país. O indivíduo trabalha, economiza, compra um terreno, mas não pode construir como deseja, pois tem de adequar sua obra ao plano urbanístico do lugar. O indivíduo tem um veículo mas não tem a liberdade de ir com ele para onde quiser porque o licenciamento não está em dia. O indivíduo pode votar aos dezesseis anos mas não tem a liberdade de dirigir um carro na mesma idade. O indivíduo necessita viajar, mas não pode porque o visto no passaporte não é concedido. O indivíduo não pode fazer sexo onde queira, não pode fumar onde dê vontade, não pode falar enquanto a autoridade não mandar, muitas vezes não pode estacionar o carro na porta da própria casa, não pode entrar em certos locais se não estiver todo arrumado, não pode reclamar para não ser perseguido, enfim, não pode fazer o que deveria simplesmente porque é impedido. E aí, onde está a liberdade?
Ademais, não há mais nem que se pensar na liberdade de sentar tranquilamente na porta de casa, de passear em segurança pelos parques ou jardins, de sair até a esquina pra comprar pão, de dormir o sono dos justos, de não ser incomodado pela moça do telemarketing. É que a insegurança e os abusos restringem determinadas liberdades que deveriam ser essenciais ao ser humano.
Portanto, ninguém venha me dizer que é necessário restringir as liberdade para que todos possam viver ordeiramente e respeitando os demais. Isto é balela, pois quando as pessoas são impedidas de fazer o que desejam é porque instalou-se o estado da força e da repressão na sociedade, da insegurança, do medo. Somente eu sei o que devo ou não fazer, por isso mesmo é que exijo que respeitem esse direito. Como os outros não respeitam, não há direito e muito menos liberdade.
E você, já pensou em abrir sua gaiola hoje? Cuidado com a liberdade que não terá. Jamais terá.



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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