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segunda-feira, 1 de março de 2010

É SÉRIO, MAS PODE SORRIR...

É SÉRIO, MAS PODE SORRIR...

Rangel Alves da Costa*



São estranhos os significados que os dicionaristas e os seus dicionários dão aos vocábulos sorrir e sorriso. Características fisionômicas são confundidas com a alma em êxtase, em estado de prazer.
Os lexicógrafos, aqueles mesmos que fazem os dicionários, pessoas como Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (Dicionário Aurélio), Antônio Houaiss (Dicionário Houaiss), Francisco Júlio de Caldas Aulete (Dicionário Aulete), Carolina Wilhelma Michaëlis de Vasconcelos (Dicionário Michaelis) e outros, certamente que eram mestres no entendimento do conjunto dos signos linguísticos que formam as palavras, mas não eram, na mesma medida do conhecimento léxico, conhecedoras da profundidade e vivacidade que determinadas palavras expressas em seus dicionários possuem.
Nos seus compêndios, pecam por não deixar devidamente explicado, com todas as letras do coração, que sorrir é a expressão da alegria da alma; é o modo pelo qual o espírito em estado de pureza demonstra seu grande contentamento; é a manifestação imediata da paz do espírito; e, por consequência, que o sorriso nada mais é do que a voz desse espírito alegre, contente e feliz; é a consequência lógica do despertar do contentamento e da satisfação. Mas os dicionários, contudo, no seu conservadorismo e sisudez gramatical, querem porque querem, insistem até em limitar o sorrir e entristecer o sorriso. E explico porque.
Segundo o léxico que se avoluma, o verbo sorrir possui as seguintes significações: “Rir sem ruído, apenas com um ligeiro movimento dos lábios e da face; mostrar-se prometedor, ser agradável, favorável; zombar, mofar; alegrar-se, mostrar-se contente e desvanecido” (Aurélio); “Fazer uma expressão risonha ou irônica pelo repuxar dos lábios; mostrar-se contente ou alegre; alegrar-se; expressar alegria, como um sorriso; ser favorável a; favorecer; zombar discretamente; apresentar-se de maneira promissora; ser a favor de; transmitir sensação agradável, de prazer” (Aulete); “Rir levemente, sem rumor, com ligeira contração dos músculos faciais; dar, dirigir um sorriso; ser favorável; dar esperanças; mostrar-se prometedor; ser objeto de desejo; atrair, apetecer; achar chiste ou graça; significar de modo risonho ou agradável à vista” (Michaelis); “dar sorriso, rir sem fazer ruído e executando somente ligeira contração muscular da boca e dos olhos; rir(-se)” (Houaiss).
Por sua vez, propõem o significado de sorriso como sendo: “Ato ou efeito de sorrir(-se); movimento e expressão de um rosto que sorri” (Aurélio); “Ação de sorrir(-se); expressão de um rosto que sorri, que expressa alegria, satisfação; esboço de riso; riso discreto, em que os lábios se distendem ligeiramente; expressão facial de amabilidade, de simpatia; expressão sorridente que demonstra ou oculta outras formas de sentimento ou estados de espírito” (Aulete); “Ato de sorrir ou sorrir-se; manifestação de um sentimento de benevolência, simpatia ou de ironia, que se faz sorrindo” (Michaelis); “A expressão facial em que os lábios se distendem para os lados e os cantos da boca se elevam ligeiramente, e que expressa, geralmente, alegria, amabilidade, contentamento, provação, mas que pode também expressar ironia, desdém, malícia etc.” (Houaiss).
Ora, é bom não ousar fazer contraposições à filologia, à lexicografia, aos nossos dicionaristas, entretanto, sob hipótese alguma podemos considerar a significação de sorrir como sendo apenas um ligeiro movimento labial, uma expressão risonha ou irônica, ligeira contração dos músculos faciais ou rir sem fazer ruído. Do mesmo modo, inadmissível é que aceitemos o sorriso simplesmente como movimento e expressão de um rosto que sorri, ato de sorrir ou expressão facial em que os lábios se distendem para os lados e os cantos da boca se elevam ligeiramente. Convenhamos, mas a verdade é que estes senhores acadêmicos de fardão jamais souberam o que é verdadeiramente sorrir, qual a amplitude de um sorriso despojado de qualquer ranço de tristeza.
Não querendo contradizer a academia, mas diria que nascer é sorrir, viver é sorrir, amar é sorrir, fé é sorrir, ver a manhã e o entardecer é sorrir, sentir o alvorecer é sorrir, a paz é sorrir, felicidade é sorrir, desejar é sorrir, ter desejo é sorrir. Sorrir é cantar, brincar, correr, namorar, beijar, sonhar, acordar, dançar. Sorrir é procurar viver a vida em sua plenitude e desse querer demais ter sempre motivos para a alegria e a felicidade.
Sorriso, por sua vez, é a transformação de tudo que há de bom, que se vê, que se sente, que se quer, num ato de realização; é a máxima demonstração da realização positiva do instante; é a caracterização do instinto que se rompe com as regras; é a resposta da alma que se alegra e do espírito que se encanta; é o sorrir indo além fronteiras; é o sorriso se expressando por um gesto que diz: estou feliz.
Perdoem se estiver errado, mas é a seriedade da gramática que impede a língua de sorrir como deveria.


Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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