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sexta-feira, 12 de março de 2010

O NADA, O VAZIO E O CAOS (Crônica)

O NADA, O VAZIO E O CAOS

Rangel Alves da Costa*


O mundo pode estar um caos, mas jamais um nada ou um vazio; a vida pode estar um caos e/ou um vazio, mas jamais um nada; as pessoas podem estar um vazio e/ou um caos, porém jamais um nada; o amor pode estar um nada ou um vazio, porém jamais um caos; a liberdade sempre será um nada. Tentarei explicar o porquê, buscando retirar do caos tais conceitos, definições e significados. Adianto que não irei além de criar simples metáforas, pois tais elementos, de tão misteriosos que são, muitas vezes fogem ao entendimento através da insuficiente linguagem humana.
Verdade é que os conceitos de nada, de vazio e de caos escondem-se sob brumas filosóficas, mitológicas e doutrinárias que dificultam seu conhecimento ideal. Tudo se torna somente aparente, sem dar a exata noção dos seus reais significados. É que os conceitos apenas são formulados e muitas vezes sem a devida preocupação em repassar uma exata compreensão sobre isto ou aquilo. Tanto é assim que os filólogos dizem que uma coisa possui um conceito (uma ideia do que é), uma definição (uma explicação do que é) e um significado (um sentido que passa a ter).
Para os gregos antigos, o nada simplesmente não existia; nada era nada mesmo. Na sua matemática inexistia o zero, pois o nada não tinha valor algum. "Do não-existente nada pode nascer e nada pode desaparecer no nada absoluto", diz o filósofo Empédocles. Atualmente, o nada pode ser visto com a negação da existência, o não-existente. Neste sentido, seria a oposição ao ser, vez que o nada não é alguma coisa propriamente. Daí também que, por não ter nenhum significado, o seu conceito só é admissível como negação do ser, do existente. Contudo, usualmente tem-se o nada como ausência de qualidade, coisa nula, o que não existe, a falta de alguma coisa, inutilidade.
O caos foi de grande significado para a mitologia, pois a ordem no mundo e a disposição dos elementos nos seus devidos lugares só foram possíveis quando o caos ou desordem deram lugar a uma estrutura inteligível. Antes os fenômenos estavam dispersos, apresentando diferentes maneiras de ser e sem funções específicas, o que evidentemente impossibilitava que as coisas possuíssem uma razão de ser.
Contudo, essa "bagunça" existente não era a desordem e a confusão como hoje se afirma quando alguma coisa está um caos. Ao contrário disso, o caos mitológico era a possibilidade de tudo, pois tudo existia, necessitando apenas de um ordenamento para que os elementos universais passassem a ter existência própria. Do mesmo modo, o caos que se nomeia atualmente é totalmente diferente das concepções mitológicas e filosóficas.
Segundo a filosofia, o caos era o vazio existente antes da criação do universo; um vazio obscuro e ilimitado que antecede e teria propiciado a geração do mundo; eram as trevas primitivas. É, como se vê, uma concepção diferente da mitológica, que nega a existência do vazio e das trevas e tem por base a preexistência de elementos que estavam desordenados. Atualmente, a noção do caos está erroneamente ligada a uma significação vulgar de como a coisas estão ou não ordenadas. Daí a afirmação do caos como sendo baderna, bagunça, perturbação, balbúrdia, grande confusão ou desordem.
Por sua vez, tal qual o nada, o vazio não teve nenhum valor para a mitologia grega. Existia, sim, a noção de um espaço aberto, porém sem ser vazio, pois nele estavam contidos os elementos que formavam o caos. Ao conceber a noção de vazio, os filósofos pensaram na porção do espaço destituída de qualquer matéria; no espaço acaso existente e que não fosse ocupado por qualquer coisa; no espaço imaginário não ocupado, existente, porém despojado de qualquer matéria ou vida. Contudo, depois concluíram pela inexistência do vazio absoluto, vez que se supõe a existência de moléculas neste espaço. Verdade é que, de existência real ou não, o vazio passou a significar aquilo que não tem nada dentro, que não contém nada ou só contém ar, o que está oco, desocupado, despovoado, vão. Neste sentido, alguém diria, vida vã, vida vazia.
Como foi dito inicialmente, o mundo pode estar um caos, mas jamais um nada ou um vazio. Tal assertiva tem sua lógica de ser, principalmente pelo fato de que isto que chamamos de mundo está em constante mutação, fruto de um desordenamento das coisas e da falta de uma ordem que jamais é estabelecida. O desordenamento existente implica na existência de algo, e esse algo não seria o nada num espaço vazio.
Foi dito também que o amor pode ser um nada e/ou um vazio, porém jamais um caos. Ora, considerando que o amor não é algo tangível, não possui vida própria, possuindo existência somente na ideia, é lógico que para determinadas pessoas este tipo de sentimento simplesmente não existe ou que existiu onde é hoje um vazio. Enquanto ideia, o amor ou existe ou não existe; não há que se falar em quase-amor. Daí que quando não existe o que se tem é um nada e um vazio. Do contrário, quando a idéia de amor prevalece, é algo existente e por isso mesmo está ordenado no sentimento, jamais transparecendo ser um caos.
E por que a liberdade sempre será um nada, como dito acima? Sobre tal concepção não tecerei maiores comentários, bastando somente que alguém prove se o ser humano tem realmente liberdade, ao menos, de ser o que deseja ou de fazer o que quer. Não tem porque a liberdade é um ideal que só existe conceitualmente. Na vida prática não tem valor algum e por isso mesmo é um nada. Basta ver o vizinho espionando o seu quintal, o falso amigo falando mal de sua roupa, o policial que passa lhe dando tropeções, a lei que diz o que está certo e o que está errado e até onde você pode chegar. Somente porque não está preso, não significa que esteja em liberdade. Pelo contrário, o medo de não ser injustamente encarcerado já é um cerceamento da liberdade. Então, o que é a liberdade? Nada, simplesmente nada.



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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