SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

QUANDO QUISER ME VISITAR


*Rangel Alves da Costa


Mesmo aqui na distância, desde muito que espero sua visita. Sei que a estrada é longa, mas é sombreada. Sei que possui muitas curvas, mas também a certeza da chegada. Por isso não se demore, venha logo me visitar. Hei de preparar um bule de café torrado, daquele que vai perfumando todo o arredor e além. Um pedaço de bolo de leite ou macaxeira, broa de milho e o restante servido no proseado.
O tempo passa correndo, os dias vão sumindo sem olhar pra trás. Mesmo o ontem já parece envelhecido demais, quanto mais anos e mais anos sem um reencontro. Os espelhos só nos reconhecem porque vivem pendurados na moldura de nossas vidas, de nossas existências. Os dias que se vão e a idade se avolumando somente servem para os baús das recordações. De útil mesmo só as relembranças, pois o resto é doloroso demais. Então venha, venha que estou lhe esperando.
Tire o alforje desse canto, cate o cantil na despensa, sele o velho alazão e espere a aurora mais bonita que houver, depois abra a cancela pra pegar a estrada. Uma estrada longa, certamente um galope misto de prazer e tristeza no cortar chão em meio ao que resta da natureza. Mas ainda avistará árvores nativas imponentes, catingueiras recurvadas, aroeiras, baraúnas, juazeiros, cedro de tronco de pedra e casca ferrosa.
Preciso muito reencontrar os amigos. Minha porteira parece petrificada e já não é aberta como antigamente. Noutros idos, quase todos os dias eu ouvia alguém chegando para uma visitinha. A casa é a mesma, no mesmo lugar, as distâncias não aumentaram, mas os caminhos agora parecem mais esquecidos. De vez em quando me sento ao lado da janela com o olhar fixo na estrada, e assim fico hora após hora, então adormeço sem divisar ao longe qualquer aproximação de amigo.
Não há nada mais solitário e triste que o sentimento de se estar esquecido. Eu ouvia sempre alguém dizer que a posse e o poder tornam as pessoas serem lembradas e constantemente visitadas, o que não ocorre quando as mínguas batem à porta. Mas este não é o meu caso, pois toda minha fortuna sempre foi o viver numa casinha distante de tudo. E na companhia de muitos livros, de cadernos rabiscados por mim e velharias que prazerosamente guardo como sentimentais relicários.
Vivo aqui na distância de tudo por que gosto desse viver rodeado por mato e bicho, lua e sol, sol e lua. Gosto do silêncio dos dias, do sopro da brisa e da ventania, das folhagens em alaridos, dos passarinhos que chegam para cantar na borda de minha rede. Amanheço e adormeço assim, num mundo moldado pela simplicidade em tudo. E como gosto de caminhar adiante, cortar chão pelas veredas, avistar ninhos, ouvir cantos, desbravar os pequenos mistérios da natureza. Contudo, sempre desejo a visita de um amigo.
E quando chega algum, outra coisa não quero que traga senão a presença e o proseado. Não quero presente nem ouvir sobre um mundo que está mais além e que nada frutifica senão o ódio, a violência, a maldade e a insanidade em cada um. Gosto que me fale da família, da terra, da sobrevivência, da luta para em pé se manter. A tudo ouço como um velho padre diante da confissão mais solene. E quando falo é pra dizer que a verdadeira felicidade do homem é aquela construída para o bem viver. Assim como o meu viver.
Por isso, amigo, preciso que venha me visitar. Traga-me notícias sobre araçá, sobre araticum sobre quixaba, sobre mel de abelha, até sobre redemoinhos e ventanias. Gosto quando chega e não se nega a aceitar um bom pedaço de goiabada com queijo, aprecio quando bebe de uma vez o café forte e acende o seu charuto já depois da soleira da porta, enquanto lança o olhar sobre o mundo meu. Gosto quando sai juntando garrancho e dizendo que aquilo era um trabalho pra mim.
Ontem passou por aqui um viajante seguindo em sua direção, então resolvi lhe enviar a presente missiva. E somente para reafirmar que quando quiser me visitar não tenha receio, basta pegar a estrada e riscar na minha porteira. E que chegue já sentindo ao longe o cheiro do café torrado e a canção festiva da natureza. Pois viver é assim, na simplicidade do que se tem como vida.
Então venha me visitar.


Escritor
Membro da Academia de Letras de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com

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