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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

A PRAÇA, A CATEDRAL, AS VELHAS AMENDOEIRAS


*Rangel Alves da Costa


No início desta semana ao entardecer, em cima da calçada da Catedral Metropolitana de Aracaju, eu observava a pujança das velhas amendoeiras ao redor. O templo cristão fica ao centro de uma praça tomada de grandes árvores, sobressaindo-se as amendoeiras com suas folhas vistosas e belas.
Observando aquelas frondosas árvores, com cada uma contando com mais de cem anos ali enraizadas, logo me veio à mente o quanto suas copas, suas folhagens e sombreados, foram testemunhando ao longo de tantos anos. Tudo passando, tudo se transformando ou simplesmente desaparecendo, e elas ali ainda tão imponentes.
A Praça Olímpio Campos, local onde tais árvores se assentam, é uma das mais antigas da capital sergipana. Antiga e relegada ao esquecimento, como se as praças necessitassem apenas de árvores centenárias e canteiros cortando os seus percursos. Por que os arvoredos não precisam de constantes reparos, então também descuidam das gramas e de outras árvores menores. Não há mais bancos, os córregos secaram e os caminhos internos se tornaram perigosos demais.
Noutros idos, quando ainda era cuidadosamente preservada e constantemente embelezada, ainda era possível encontrar resquícios de fontes, pequenos córregos, canteiros floridos e até um pequeno jardim zoológico. As famílias por ali passeavam, os namorados se encontravam, era até um deleite espiritual estar lentamente caminhando pelas suas diversas opções, principalmente ao redor da pequena ponte e seu silêncio entrecortado por um ou outro canto passarinheiro.
Nas festas de final de ano, principalmente na época natalina, a praça se transformava numa verdadeira festa. Parques de diversões eram instalados, o Carrossel do Tobias chegava como verdadeiro encantamento, barracas vendiam de tudo, doceiros e pipoqueiros ofereciam aos visitantes desde maçãs do amor a coloridos e cativantes algodões doces. Cachorro quente, pipoca colorida, churros e tudo o mais. Uma diversão segura, acolhedora e barata a todas as famílias e seus pequenos brincalhões.
Hoje a praça não dispõe de um banco sequer debaixo das sombras. Os pombos ainda são muitos defronte a catedral e arredores, mas não se pode mais sentar ao entardecer para observar seus rasantes, seus encontros catando restos pelo chão e seus voos de partida. Não há como sentar para a leitura de um livro, para um instante de silêncio e meditação, para uma palavra amorosa com alguém querido. Apenas os vazios tomados por estranhezas, por pessoas que passam sem tempo de apreciar o que ainda resta.
Mas não resta muito. Lar de árvores centenárias, desde longe são avistadas com suas copas e folhagens derramadas sobre as tristezas do presente. Murmurando velhas canções ao sabor do vento, ali repousam antigas, talvez já cansadas, esperando as estações para mudarem seus semblantes, cores e formas. Os canteiros abaixo estão sempre tomados de suas folhas caídas na ventania, mas é no outono que os tapetes se alastram com seus ocres, vernizes, marrons e acinzentados.
Uma paisagem tão bela como melancólica. As folhas grandes vão caindo e se deitam umas sobre outras, como velhos escritos que vão se acumulando pelas salas de um poeta triste. Talvez não sejam apenas folhas mortas, outonais, mas verdadeiras páginas que se desprenderem dos galhos e trazem consigo memórias escritas de outros tempos, de uma nostalgia guardada em lenços molhados. As folhas das amendoeiras caindo como livros abertos e que desejam leituras. Ler o passado através da recordação.
De vez em quando faço do entardecer um reencontro com aquelas velhas amendoeiras. A cada passo e a cada olhar é como se estivesse diante de um livro antigo, cujas folhas amareladas vão contando histórias de outros tempos. Ali, debaixo daqueles sombreados, ao farfalhar da ventania, os testemunhos tantos de um tempo muito mais humano e singelo, na região central de uma capital que ainda possuía face, coração e interioranos. Hoje também testemunha as transformações, os novos dias, mas sem aquele olhar gracioso que antigamente se estendia sobre o bucolismo apaixonante.
Tudo parece de outro tempo por ali, no seio da praça. A velha catedral ainda mais envelhecida pela falta de reparos, o sino agora mais lento e enrouquecido por falta de manutenção, as paredes velhas das coisas velhas. Depois das quatro da tarde, ao chamado da missa de dali a meia hora, o badalar distante e tão pertinho. As velhas beatas que chegam, os velhos cantos que são logo ouvidos, a necessária fé de um povo. Um pouco mais ao lado, o vendedor de livros novos e usados com sua banca estendida no chão. Núbia Marques, Stendhal, Dom Luciano Cabral Duarte, Antônio Saracura, Richard Bach, Antônio Carlos Viana, os filósofos gregos, tudo ali.
A missa não é antiga por que padre Manoel Barbosa possui moderna pregação, mas ao redor tudo parecendo adormecido. A chama da vela que nunca se apaga, aquele olhar tristonho e sofrido de um Cristo pregado na cruz. Mãos que se juntam em oração, joelhos que se dobram, esperanças que renascem. E depois da missa a voz do que a praça e suas árvores tanto repetem. Palavras somente ouvidas por alguns corações.


Escritor
Membro da Academia de Letras de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com

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