SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 5 de fevereiro de 2017

UMA MOÇA DORMINDO AO LADO


*Rangel Alves da Costa


Sempre acordo cedinho. E ao levantar sempre deixo uma moça dormindo na minha cama, no outro lado do colchão onde a noite inteira eu senti junto a mim o pulsar de sua presença.
Desperto pelo despertador biológico. Pouco passou da madrugada e já me vejo impulsionado a levantar. Mesmo que depois eu retorne por alguns instantes, o meu dia já começa naquele primeiro abrir de olhos.
Difícil levantar e deixar ali tão poeticamente adormecida a moça bela. Mesmo na semiescuridão do quarto, seu corpo sobressai-se sobre os panos e suas curvas perfeitas se estendem como sereia ao repouso.
Semblante suave, aparência terna e angelical, cabelos longos e macios espalhados além do travesseiro. Apenas suspira, levemente, num adormecimento sereno e profundo. Mansamente toco sua pele, permito-me beijar uma flor, e depois a deixo em seu sono.
Ao tocá-la, e ao levemente passar minha mão sobre seu corpo desnudo, de repente sou levado à dúvida do que fazer além desse breve carinho. Quero tocá-la mais, mais forte, percorrendo o seu corpo inteiro. E me aproximar ainda mais, roçando o meu corpo no seu, tomando-a em meus braços.
Mas seria a certeza de despertá-la em seu necessário repouso. E, despertando-a, desejar ainda que retribua minha carícia, meu afago, meu desejo de homem. E talvez, no momento, ela queira somente descansar. Por isso toco apenas o meu lábio na sua face e devagar me afasto para outros afazeres.
Como logo depois me sento um pouco mais adiante para escrever, para as primeiras linhas do dia, toda vez que olho ao lado avisto uma deusa adormecida. Deixo sempre a porta aberta para que assim aconteça. Vou teclando, escrevendo, mas sempre desejoso de olhar ao lado.
Ao olhar de lado, na direção da porta aberta, com as primeiras luzes do alvorecer já presentes, então visualizo nitidamente a bela moça dormindo. Estende-se suave sobre os panos da cama, as cobertas já não encobrem o corpo inteiro, suas costas estão nuas, seu rosto parece sorrir para mim. E sua boca a me chamar.
Fecho os olhos e passo a imaginar o que poderia acontecer se naquele mesmo instante eu retornasse ao seu lado. E ainda de olhos fechados começo a pensar se os seus olhos estivessem abertos e sua boca e suas mãos me procurassem sem palavras, apenas em gestos e toques, carinhos e carícias.
Fico a imaginar se da proximidade nascesse o passeio de mãos sobre a pele, se da boca nascesse o beijo, se das mãos nascessem o abraço, se do abraço nascesse a busca, se da busca nascesse o desejo incontido. E se de repente, sem que nada mais nos prendessem em carinhos, somente nossos pulsos e impulsos aflorassem.
Mas por que tanto imaginar se tudo isso é possível com a moça dormindo ao lado? Por que tanto imaginar se tudo isso já é conhecido pelos nossos corpos? Por que tanto imaginar se todo acontecimento neste sentido já não será tido como experiência nova ou sonho enfim realizado?
Pelo amor, simplesmente. Imaginar e querer mais do já conhecido, somente se explica através do amor sentido. Somente o amor para renovar os desejos, os sentidos, as aspirações do corpo e da alma. Somente o amor para sentir aquela moça como diferente de todas as outras mulheres. Não é a mulher, é a minha namorada.
Enquanto escrevo estas linhas, olho de lado e avisto a moça dormindo. E quanta beleza naquela moça, naquela minha namorada. Não escrevo isso como confissão de amor ou para que ela leia. Ela merece um poema. E a ela declamo um a cada dia, bem baixinho, ao seu ouvido.
E ela sente no verso o quanto amo e quanto quero aquela moça dormindo ao lado, junto e dentro de mim.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com 

Nenhum comentário: