SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 17 de novembro de 2010

CANTO ACALANTO (Crônica)

CANTO ACALANTO

Rangel Alves da Costa*


Ouço sons iguais aos da minha casa, chamados iguais aos da minha mãe, contudo não poderei atendê-los agora. Não poderei mais atender aos chamados da minha mãe, cujo diálogo um dia desses se transformou em preces, em orações, nas consequencias da saudade...
Certamente ela diria para não ficar triste. Iria achar que o meu olhar que se derrama desde a montanha enxerga somente angústias, tristezas e desilusões, porque não trago marcas de sorriso na minha boca nem o encorajamento dos dias na minha face.
Nem tristezas, nem alegrias. A pedra bruta que às vezes sou, me faz ser também a que a faz ter sentimentos e chorar. Por isso vivo na medida do tudo e nada e na fronteira do ficar e partir. Porque a vida me pede que cante e grite, me espante e me contente, me sinta e não me ache. Porque a vida é assim mesmo, e sou como a vida porque a vida é assim mesmo...
Outro dia tive saudade não sei de que. Mesmo ainda criança, há muito tempo que deixei de ser menino, e por isso mesmo não deveria mais recordar minha nudez nos riachos, minhas goiabas no quintal, meus desejos no olhar e as tantas namoradas que tive sem beijar nenhuma. Tudo prova que fui feliz um dia.
Achei bonito ter essa saudade porque me traz a certeza que a vida não é somente como se mostra agora, não somente feita da poesia na pedra no caminho, da dor exalada no perfume da solidão ao anoitecer. Não, e não é não porque não é não. Mas só não é porque ainda existe o sim, e com ele a esperança, e um olhar adiante, e uma vontade danada de descer dessa montanha para viver...
Vou descer da montanha voando. Ícaro não amava, mas vou conseguir porque amo. E o sol nas minhas asas e na minha plumagem azul refletirão lá onde está o amor agora, em qualquer lugar, talvez na mesma montanha de onde eu vou descer correndo.
É isso mesmo. Não quero voar mais não para não ter muita pressa, e é melhor descer correndo porque haverá a queda. E no chão poderei ter a certeza de que não é preciso ter pressa para nada.
Quando eu levantar vou tomar banho de cachoeira e ficar novinho, com menos cem anos do que tenho agora; vou buscar nas águas um sorriso novo; colher lá no fundo a areia que rejuvenesce o espírito; segurar a correnteza para ficar mais forte; molhar de vez os meus olhos para nunca ninguém perceber quando choro.
Depois vou deitar ao sol e me queimar até me tornar labareda e subir pelos ares, dando sinais de fumaça que estou vivo no fogo que nunca morre. E que saí da água para me queimar porque o ser humano nunca se contenta nem com o frio nem o calor, até que a terra diga que está tudo normal, e normalmente nada.
Sou outro, direi a mim mesmo. E sou outro porque não estou mais na montanha e agora lembrei daquela velha estrada que vai cortando vereda até sua aldeia, até sua casa, até onde está, até seu sorriso e seu olhar. Quando me avistar ainda bem distante, por favor feche a porta, pois quero chegar como vento e entrar de fininho e me espalhar por todo lugar, mas só onde você está.
Ah!, meu amor, me dê um beijo, mesmo que minha face e minha boca não possam ser tocadas. E quero esse abraço tão forte que eu pense que é ventania de amor. E depois, peço-te que grite bem alto pelo meu nome, e mais alto ainda porque é difícil se ouvir da montanha.
Por que ainda estou aqui, meu Deus, quando jurei a ti mesmo que desceria suavemente para reconstruir o relógio da minha vida que um dia parou?
Mas vou dizer agora porque ainda estou aqui: Somente a montanha me entende quando estou triste e é daqui do alto que ouço minha mãe dizendo para não ficar assim!



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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