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sábado, 6 de novembro de 2010

ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 18 (Conto)

ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 18

Rangel Alves da Costa*


Zezinho até que gostaria de ficar mais tempo na igreja, olhando e conversando silenciosamente com seu amigo, até mesmo porque não tinha para onde ir naquele momento. A ambulância já havia saído com a velha senhora, as outras pessoas já haviam ido embora e bem que poderia retornar para onde estava e ficar mais alguns instantes.
O problema é que já estava com fome e certamente ali não seria o local mais ideal para encontrar comida. Já ia deixando o lado da porta onde estava para seguir pela rua quando ouviu uma voz humana lhe chamando de dentro da igreja: "Ei garoto, ei garoto, por favor, dê uma chegadinha até aqui!".
Era o padre que bem poderia ter ido juntamente com a senhora para o hospital. Mas ele estava ali totalmente recuperado da queda e do desmaio, e tanto era assim que lhe chamava naquele momento. Entrou desconfiado e ainda próximo à porta perguntou: "O senhor me chamou seu padre?".
"Sim, sim chamei sim. Era você o garoto que estava conversando com Dona Carmosita quando ela começou a se sentir mal, não foi mesmo? Perguntou a Zezinho, enquanto fazia gestos para que o mesmo se aproximasse mais e sentasse em algum lugar.
Zezinho sentou ainda perto da porta e respondeu que sim, que havia sido ele mesmo quem teve oportunidade de conversar por longo tempo com a mulher antes que esta começasse a apresentar o problema.
"E sobre o que vocês dois conversavam, posso saber meu filho?", indagou o padre Carmélio, em pé, andando de um lado para o outro, de vez em quando passando a mão num joelho, que talvez ainda estivesse dolorido da queda que havia sofrido.
Então o menino, usando da esperteza e da inteligência, foi se saindo com essa: "Até que gostaria de contar tudinho, mas foi muita coisa e talvez nem interesse ao senhor. Ainda por cima a conversa demorada me deu muita fome e tenho que sair por aí para ver se algum bom coração me dá um trocado pra comprar qualquer coisa pra comer. O senhor padre me desculpe, mas tenho que ir". E fez gesto pra levantar e sair.
"Por favor, não, agora não, pois temos que resolver esse probleminha. Depois você me conta tudo e vai dizer também que história é essa de viver pelas ruas pedindo esmolas para comer. Espere aí um pouquinho que já volto, está bem?". E foi saindo para outro local, mais ao fundo de onde estavam.
Quando o padre entrou por uma das portas ao fundo, Zezinho ficou com certeza que sua comida estava garantida para o momento. Contudo, ficou imaginando até que ponto deveria chegar ao relatar a conversa que havia tido com a senhora. Afinal de contas praticamente ele tinha falado sozinho, dito coisas suas e que talvez não fosse interessante falar para o padre. Mas quando tivesse merendado decidiria melhor.
E uns cinco minutos depois o religioso retornou trazendo um prato com comida de gente normal, como observou o menino, e um refrigerante. Zezinho comeu tudo ali mesmo, sem se incomodar com quem passava pela rua e nem com o padre, que havia ido para perto do altar mexer numa coisa e noutra.
Depois de bem se fartar, falou: "A comida estava boa demais, muito obrigado seu padre. Mas só não sei bem o que comi. O que era mesmo que tinha no prato, seu padre?". "Carne de avestruz real, importado da Noruega, com salada de legumes da Escandinávia e arroz dos trigais nevados da Rússia. Mas deixe isso pra lá e vamos ao que interessa. Como foi mesmo a sua conversa com Dona Carmosita?". Falou o padre se aproximando.
"Tudo isso tinha gosto de carne de preá com feijão de corda, mas a verdade é que tava muito bom. Mas vamos então ao que o senhor quer ouvir. Então foi assim...". E decidiu contar tudo, pormenorizar ainda mais, entrar em detalhes, só que dessa vez de forma mais extravagante e um tanto teatralizada.
E quando Zezinho adentrou nos aspectos da sua fé e religiosidade, nas orações que fazia, nos encontros com seu amigo, nas lições e conselhos por este repassados, então o homem da igreja não suportou e começou a chorar abertamente, deixando as lágrimas caírem sem constrangimentos e chegando a soluçar dolorosamente.
Era triste ver o padre naquele estado desesperador e Zezinho contando mais e mais, revelando novos detalhes e parecendo que buscava realmente ir bem a fundo ao coração do religioso. Até que este, depois de um demorado soluço, disse quase sem poder falar.
"Basta, já chega. Dona Carmosita tem razão no que me revelou. Você foi o menino escolhido por Deus e enviado para salvar nossa igreja, até para salvar o mundo".
"Eu, o que?". E Zezinho levantou espantado.


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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