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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 13 de novembro de 2010

ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – Final (Conto)

ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – Final

Rangel Alves da Costa*


Mesmo com os constrangimentos causados ao velho e conservador bispo, ninguém da igreja teria coragem naquele momento de se manifestar contrariamente à vontade do povo. Sabiam que o conservadorismo e o afastamento dos anseios daquele povo eram algumas das causas para o esvaziamento cada vez mais crescente da igreja católica.
Então, já que Zezinho estava ali, reconhecidamente como enviado do Senhor para tentar reverter tal situação, não havia outro jeito senão jogar todas as esperanças nas palavras do menino. E este foi chamado para expor seus conhecimentos de infante iluminado perante o mundo e colocar na mente do povo a misteriosa força de sua sabedoria de criança pobre, porém cheia de lições a repassar a todos.
E as palavras de Zezinho nunca alcançaram tão fortemente os corações daquela multidão como naquele momento. Parecia estar guiado por uma força superior em tudo que dizia e relatava, dando um significado especial às coisas mais simples e firmando como lei a ser seguida aquilo que o povo não mais acreditava que existisse: humildade, respeito, perdão, compartilhamento, irmandade...
Depois do silêncio de pedra da multidão, quando o menino agradeceu pela oportunidade de estar ali e se despediu, então parecia que o mundo iria acabar naquele mesmo instante. Se acabasse naquele momento acabaria em lágrimas, não de aplausos nem gritarias, gritos de louvor ou gestos de adoração, mas tão somente na sublime água que corre dos olhos quando o coração encontra suas verdades.
No íntimo, Zezinho chorou; o menino Zezinho chorou num cantinho onde foi refletir sobre tudo o que havia visto logo após ter encerrado sua explanação. Estava com uma responsabilidade grande demais sobre os ombros e se não tomasse cuidado mais tarde não poderia simplesmente afirmar que tudo aquilo havia sido uma brincadeira, um meio de voltar para o sertão ou qualquer outra coisa que o desimpedisse de continuar com suas pregações.
Durante o restante o dia pediu para não ser incomodado, para não ver nem falar com ninguém, pois estava muito cansado e precisava dormir bastante. Porém, os motivos eram outros. Estava amargurado, angustiado em demasia com aquela situação toda. Não poderia continuar mais ali de jeito nenhum. Tinha uma vida de menino para viver e não poderia se entregar desde cedo aos desejos dos outros para salvar uma religião que eles estavam destruindo.
Já tinha algum dinheiro no bolso, pois de repente alguém havia colocado no seu bolso e dito para comprar umas roupas bem bonitas. Arrumou as malas e fugiu dos aposentos da igreja assim que as luzes foram apagadas à meia noite.
Acenou para o primeiro táxi que passou e pediu ao motorista para levá-lo até a rodoviária, pois sua mãe estava esperando para viajarem. E não durou muito e já estava no guichê conversando uma conversa boa com o funcionário e fazendo com que vendesse uma passagem para o seu interior. Deu sorte porque encontrou um ônibus que passaria por lá e sairia dali com cerca meia hora.
Andou assustado pelo terminal rodoviário, temendo que houvessem descoberto sua fuga e chegassem para buscá-lo. Insistiu em olhar cuidadosamente para as pessoas para ver se nelas enxergaria sua mãe à sua espera. Ninguém ao menos parecido encontrou. Mas ela estava ali. Ele tinha certeza que Rosinha estava ali, pois sentia ela andando ao seu lado, acompanhando os seus passos.
Fez logo amizade com o motorista e conseguiu embarcar sem problemas e quando o ônibus deu a partida sentiu-se aliviado por sair daquele lugar. Sua terra era outra, sua vida era outra, seu destino deveria ser outro. E foi seguindo fazendo mil planos, tecendo coisas a fazer, sentindo-se já em cima do chão de massapê e dos olhos voltados para tudo que a natureza poderia oferecer.
Imaginou e imaginou, mas não lembrou de pensar onde ficaria quando chegasse. Não tinha família ali, não tinha mais moradia, o terreno onde vivia já tinha outro dono e morador. O que fazer então?
Assim que desceu do ônibus e pôs os pés na terra firme do seu sertão ainda era cedinho. A primeira coisa que procurou fazer foi ir atrás de um tanque no mato pra tomar banho. Tocou na mataria, cheirou as folhas e conversou com tudo que havia por ali. E o sol iluminava seu rosto pleno de alegria e felicidade. Ouviu seu pai aboiar, ouviu sua mão cantar cantiga de ninar... Como seria bom se tudo fosse verdade.
Retornou ao centro da cidade e a primeira coisa que se fez mais fortemente no olhar foi a igrejinha aberta. Começou a lembrar de certas coisas e resolveu não ir até lá, porém uma força estranha o impulsionava para que fizesse uma visitinha ao pequeno templo. Foi seguindo e de repente já estava diante do seu amigo, aquele amigo de sempre que lhe sorria mesmo pregado na cruz.
Conversou muito tempo com ele e pediu perdão se havia feito alguma coisa errada em seu nome. E de repente ouviu uma voz suave dizendo no ouvido:
"Fizeste bem em não aceitar ser usado e voltar para o seu lugar. Se há um destino a ser cumprido perante a igreja que seja na sua igreja, na igreja do seu lugar, perante esse humilde povo, tão cheio de fé, mas sem a renovação nos ensinamentos que tanto necessitam. Ficai amigo menino, pois aqui é o seu lugar".
E quando olhou pra trás uns cinco fiéis já haviam chegado, todos idosos e se admirando por ele estar ali daquele jeito, parecendo que conversava com o Senhor na cruz. Foi então que uma senhora perguntou sorridente: "O que conversava com ele, pode contar pra gente?".
E Zezinho começou a falar. A igreja foi sendo tomada de gente; os olhos brilhavam e os corações agradeciam pelas palavras daquele sábio menino. E não havia mais dúvidas sobre o destino do menino.


FIM




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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