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sábado, 20 de novembro de 2010

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 6 (Conto)

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 6

Rangel Alves da Costa*


Heleno, o jardineiro, que já cuidava daquele jardim há mais de dez anos, e por isso mesmo já havia conhecido gerações inteiras de plantas e flores e conhecia a fundo todos os mistérios existentes ali, ficava só ouvindo em silêncio as espécies dali conversarem. Sempre quieto, quase sem abrir a boca para dizer nada, somente quando o caso era grave e precisava de sua interferência é que abria o verbo.
Tal qual a pequena Lucinha, entendia o que as plantas diziam sim. Conversava com elas quando era preciso e conhecia muito bem as características de cada uma, seus aspectos comportamentais, suas raivas, suas predileções, seus encantamentos e até muitos dos seus segredos. Afinal de contas, estando ali quase dia e noite, quando não sabia de algum fato novo logo aparecia uma fofoqueira para contar tudo.
Assim, ouvir aquela história sobre o roubo do sorriso da menina, a possibilidade de ela nunca mais voltar a se alegrar e, ainda por cima, o caso do possível assassinato ocorrido ali, deixou o jardineiro muito preocupado. Tinha que dar um jeito nessa história toda, saber direitinho que conversa era aquela para tomar as providências cabíveis.
Com tal pensamento, saiu da sombra onde estava sentado e foi diretamente para o meio do jardim, avisando para que todos ficassem em silêncio porque precisava falar. E assim foi feito.
"Estava ali por perto e não pude deixar de ouvir a conversa de vocês. Em primeiro lugar tenho a dizer que tudo que diziam é muito grave, muito mais grave do que vocês imaginam. Saibam que envolve a vida de uma criança, pois sem ter mais alegria porque seu sorriso foi roubado, tudo pode se transformar numa existência sem sentido algum. Vocês já imaginaram se de repente perdem as cores, os aromas, os perfumes, esse sorriso nas pétalas que vocês têm? A vida teria algum significado para vocês. Não, claro que não, e principalmente porque é através do sorriso que podemos demonstrar o contentamento com a vida, com a existência, provando que estamos alegres e felizes, mostrando às coisas ruins que nos rondam que elas não podem nos afetar porque vivemos é para a felicidade e não para a tristeza. Se realmente as flores roubaram o sorriso de nossa amiga Lucinha nem imaginaram que mal estavam fazendo à pobrezinha. E se fizeram isso tenho certeza que foi por motivações passageiras, ciúmes repentinos ou até brincadeira de mau gosto. Mas o pior, se é que elas roubaram mesmo o sorriso, é saber que aquelas que roubaram e que certamente devolveriam a qualquer instante, agora estão mortas. E estando mortas e nem eu nem vocês sabendo o que pode ser feito para desfazer o feitiço ou a brincadeira, seja lá o que for, a menina corre sério risco de perder o sentido da vida, pois sem alegria ninguém pode viver..."
As flores, as plantas, os pássaros, os bichos de estimação, todas as espécies ouviam as palavras do jardineiro demonstrando nas feições um misto de temor e preocupação, como se estivessem com medo do que Seu Heleno poderia dizer depois disso. E o jardineiro continuou:
"O problema é que, além de ter que trazer de volta o sorriso da menina, e seja lá de que jeito for, será preciso descobrir até onde vai essa história de assassinato das rosas. Todos vocês viram como as coitadinhas morreram, naquele jeito mais triste do mundo, com a seiva escorrendo por todos os lados. Se foi morte matada, tenham certeza que foi uma monstruosidade o que fizeram. Tenho consciência que as rosas eram problemáticas por serem metidas a besta demais, ignorantes e petulantes, mas vocês devem reconhecer que a culpa por essa empáfia toda não era delas não, mas de quem fez a besteira de um dia dizer que as rosas são mais bonitas do que as outras flores. Todas vocês são lindas, belíssimas, mas que se tornarão feias se não for possível descobrir qual de vocês teve a coragem de matar as rosas. E ficarão cada vez mais feias porque todas serão, ao mesmo tempo, acusadas da prática do crime. E saibam mais de uma coisa: a partir desse instante, até que se descubra quem praticou o crime, todas são suspeitas. E porque são suspeitas vou trazer para o jardim uma planta investigadora, que ainda não conhece vocês, para apontar a assassina ou o assassino...".
O que se ouviu então foi uma enxurrada de plantas desmaiando, flores dando chiliques, trepadeiras despencando, árvores murchando, plantinhas se alvoroçando, passarinhos voando para bem longe e bichos se escondendo pelas tocas. Dessa forma, estava se caracterizano que todo o jardim era mais que suspeito.
Mas o jardineiro ainda lembrou uma coisa:
"Não quero mais ver essa menina triste nem dois dias. Por enquanto vocês têm algumas coisas a fazer para se livrar dessa: ou trazem o sorriso de volta, ou quem matou se entrega ou diz quem praticou o crime. Escolham!".
E de repente ouviu-se uma voz: "Eu sei quem matou!".


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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