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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 26 de novembro de 2010

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 12 (Conto)

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 12

Rangel Alves da Costa*


Nadir, a mãe de Lucinha, encontrou o esposo ainda quase engasgado de tanto sorrir. Sem saber a motivação para aquele derramamento todo, imediatamente perguntou do que se tratava. E de forma totalmente inesperada, num gesto totalmente contrário ao comportamento anterior, Paulo sentou, colocou a cabeça entre as mãos e disse com a voz mais triste do mundo: "Estou enlouquecendo, só posso estar enlouquecendo!".
Nadir se achegou dele, fez uma carícia, aproximou sua cabeça do seu ombro e falou, enquanto passava a mão suavemente pelos seus cabelos: "Calma, me diga o que aconteceu". Então Paulo começou um longo relato, cabisbaixo, de modo tímido, até ir acalmando e ficar em plena normalidade, chegando até a demonstrar uma certa alegria eufórica.
E de repente já era Nadir que estava às gargalhadas, totalmente encantada com aquela história toda, a ponto de dizer que certamente poderiam encontrar um psicólogo ali mesmo no jardim. Mas esta também voltou à realidade e falou com uma expressão bem mais séria: "E quanto a nós, como nós ficamos em meio a essa história toda?".
"Acho melhor a gente não fazer nada, ao menos por enquanto. Se isso for verdade e tendo começado lá no jardim, então cabe a eles mesmos resolverem. Agora, com relação a Lucinha, acho também que devemos esperar um pouco, coisa de dois ou três dias, somente para sentirmos se as mudanças ocorrendo por lá refletirão nela de modo positivo. Se após isso ela continuar tristonha e parecendo distante da realidade, então é que procuraremos um profissional de verdade para tentar resolver o problema. Por enquanto peço que você procure conversar muito com ela, sempre estar presente ao seu lado. Agora mesmo vocês deveriam ir passear lá no jardim, quem sabe se no lugar que ela mais admira no mundo não vai se sentir mais alegre?".
Uns dez minutos após e Lucinha e sua mãe caminhavam pelo jardim, ora sentando num banco e noutro, ora passeando pelos canteiros. Assim que o jardineiro avistou-as fez uma festa no coração. Que bom ver Lucinha caminhando por entre as flores, falou a si mesmo. Deixou os afazeres e se apressou em direção às duas.
"Mas que maravilha ver vocês por aqui. O jardim em peso já estava com saudades de você Lucinha. Veja como as flores se alegram com sua presença, as plantas murmuram de satisfação e os bichos ficam pulando de um lado pra outro de alegria", falou Seu Heleno. E prosseguiu: "Façam o favor, cheguem mais pra perto, venham ver a nova moradora do nosso jardim". E levou as duas diante da estrela-de-fogo.
Assim que Lucinha olhou para a planta sentiu um arrepio gelado tomando o corpo, que logo foi se normalizando para se transformar num conforto espiritual que já não experimentava há dois dias. Quem olhasse para o seu rosto perceberia uma satisfação distante, uma frágil luz de retomada da alegria de viver mais distante ainda. Lucinha não disse uma só palavra, mas havia realmente se afeiçoado da planta.
A Crocosmia crocosmiiflora, também chamada de estrela-de-fogo, tritônia ou montbrácia, que dali em diante seria conhecida apenas como estrela-de-fogo, quis se comportar com a maior seriedade do mundo, com a imponência própria de quem é diferente ao meio e se acha superior a ele. Contudo, não conseguiu, não teve forças para endurecer o coração e os sentimentos. Foi traído pela presença da menina, seu encanto infantil e seu problema.
Percebendo que a feição da filha não era das piores, assim que deram os cumprimentos à nova moradora Nadir procurou um meio de tornar aquele instante mais agradável, mais alegre, mais prazeroso, de modo que a menina se sentisse o melhor possível por estar no seu jardim novamente, passeando entre seus amigos, vivendo o seu mundo.
Daí que lhe veio uma ideia e esta não deixou passar. Soltou o braço da filha e se pôs a cantarolar rodopiando pelos canteiros:
"Alecrim, Alecrim dourado/ Que nasceu no campo/ Sem ser semeado/ Foi meu amor/ Quem me disse assim/ Que a flor do campo/ É o alecrim". E em seguida:
"Se esta rua, se esta rua fosse minha/ Eu mandava, eu mandava ladrilhar/ Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes/ Para o meu, para o meu amor passar/ Nesta rua, nesta rua tem um bosque/ Que se chama, que se chama solidão/ Dentro dele, dentro dele mora um anjo/ Que roubou, que roubou meu coração/ Se eu roubei, se eu roubei teu coração/ Tu roubaste, tu roubaste o meu também/ Se eu roubei, se eu roubei teu coração/ É porque, é porque te quero bem".
E para suprema surpresa de todos, ouviu-se uma voz baixinha cantarolar, com o rosto tristonho de dá dó:
"Como pode o peixe vivo/ Viver fora da água fria/ Como pode o peixe vivo/ Viver fora da água fria/ Como poderei viver/ Como poderei viver/ Sem a tua, sem a tua/ Sem a tua companhia/ Sem a tua, sem a tua/ Sem a tua companhia/ Os pastores desta aldeia/ Já me fazem zombaria/ Os pastores desta aldeia/ Já me fazem zombaria/ Por me verem assim chorando/ Por me verem assim chorando/ Sem a tua, sem a tua/ Sem a tua companhia/ Sem a tua, sem a tua/ Sem a tua companhia".
Os olhos da mãe se encheram de lágrimas no mesmo instante. Seu Heleno erguia as mãos para o alto como se estivesse fazendo agradecimentos. O jardim inteiro aplaudia silenciosamente. A estrela-de-fogo fazia um juramento a si mesmo:
"Haverei de reparar todos os erros cometidos aqui e trazer de volta o sorriso dessa menina. Existem flores humanas, e não posso deixar que a tristeza continue feito erva daninha nesse jardim maravilhoso chamado Lucinha!".


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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