*Rangel Alves da Costa
Atualmente,
ante a reconstrução da Praça da Matriz de Poço Redondo, no sertão sergipano, e
o impedimento de encontros dentro de seus limites, senhores poço-redondenses se
reúnem na calçada do outro lado, na esquina da Travessa Maria Marques. Depois
do anoitecer, vão chegando um e outro, e de repente mais de dez estão por ali
falando sobre política, sobre seca e sol, sobre esperanças de chuvas e
quaisquer outros acontecimentos que seja de relevância, ou não.
Nos tempos
idos, outros sertanejos se reuniam com a mesma finalidade, só que na calçada de
Mané Azedinho, na atual Rua Prefeito João Rodrigues, onde hoje funciona um
comércio. Encontro certeiro em todas as noites, os que chegavam logo iam
procurando seu cantinho na calçada de cimento. Mané Azedinho (o dono da casa),
seu irmão Joãozinho de Neuza, Né Cirilo, Zé de Iaiá, Meron, Lourenço, Manezinho
França e tantos outros. Todas as novidades políticas apareciam primeiro por lá.
Todos os destinos de Poço Redondo ali eram discutidos.
E assim
ficavam até tarde da noite, com alguns de repente já cochilando, e outros aproveitando
o frescor antes de retornarem a suas casas. No outro dia, ainda com pouca
claridade, muitos seguiam para os seus terrenos logo ao lado da cidade,
principalmente para tirar leite das vaquinhas que possuíam. Até os anos
oitenta, grande parte daqueles senhores poço-redondenses possuía uma
propriedade, ainda que coisa de poucas tarefas, muitas vezes. Alguns com
pequenos rebanhos e outros com duas ou três vaquinhas, apenas. Mas suficiente
para garantir o leite de toda manhã. A melancia, o feijão, o milho, o maxixe,
quase sempre era trazido do próprio terreno.
Ao longo
do dia, os afazeres eram divididos segundo as posses e o modo de sobrevivência
de cada um. Delino, além de comerciante de bananas e outros produtos adquiridos
na Boca da Mata (Nossa Senhora da Glória), também possuía bar. Joãozinho de
Neuza era do dono de caminhonete para transportar feirantes e também vendedor
de farinha, bem como seu irmão Mané Azedinho. Comerciantes de farinha também
eram Zé de Iaiá e Ireno Cirilo. Quem vendia farinha geralmente vendia também
feijão. E alguns também o açúcar. Aos fundos de onde ainda hoje reside sua
esposa Loló, no local onde funciona a venda de doces de seu filho Almiro, Seu
Wilson (que também era Oficial de Justiça) possuía uma pequena mercearia.
Bem
próximo dali, na esquina, Dom possuía venda de aguardente e produtos básicos na
cozinha sertaneja. Outro que possuía vendinha de cachaça e miudezas era Zé de
Lola, primeiro nos arredores da atual Praça Lourival Batista (Praça do Banese)
e depois na vizinhança do antigo posto telefônico, ao lado da Câmara de
Vereadores. Também na Praça Lourival Batista ficava o famoso Bar de Noélia.
Noélia, aliás, de inesquecível memória em Poço Redondo, pois mulher guerreira,
alegre e amiga de todo o sertão. A mãe de Teinha, Gizélia e Chiquinho, dentre
outros, e esposa do famoso vaqueiro Chico de Celina, possuía bar sempre
cheiroso a comida boa, pois cozinheira de mão cheia, doceira de cocada e doce
de leite com bola, e sempre alegre em seu comércio.
Daí que
seu bar era tomado de vaqueiros em dias de feira. Também bar preferido de
afamados fazendeiros como Zé Ferreira, Ademor e Expedito Pereira. No Bar de
Noélia, a dupla Vavá Machado e Marcolino, trazida pelos fazendeiros alagoanos e
pernambucanos fincados nas terras de cá, já entoou cantorias famosas como “A
chuva chove, molhando a face da terra, a neve cobrindo a serra, vai ter outra
trovoada”. Ou “Eu vi Bela chorando, fui lhe dar consolação, findei chorando
mais Bela na noite de São João. A minha namorada ainda hoje chora, ainda hoje
chora, ainda hoje chora...”. Eu também choro de saudade daquele Poço Redondo
antigo, onde as pessoas eram mais humanas, mais preocupadas com os destinos da
povoação.
Pessoas
como Mariano, Manezinho França e Amarílio, que carregavam baldes de água para
regar os canteiros das praças, que cuidavam de cada flor como se estivessem
cuidando de seus jardins. Um Poço Redondo doce pelos pirulitos de Dona
Luisinha, da cocada de frade de Cecília de Duié, da cocada branca de Dona
Quininha, do arroz-doce de Baíta, das balas de mel de Tonho Bioto. Um sertão de
cheiros e sabores inesquecíveis. Ainda hoje, ao entardecer, eu sinto o cheiro
bom, forte e oloroso, do café de Dona Lídia subindo pela Praça da Matriz e
tomando todos os espaços. O cheiro bom e cheio de gulodices do bife acebolado e
das paneladas de Dona Jarde de Mané Lameu, em sua venda de comidas em dias de
feira, ali no canto do Mercado da Carne (onde hoje Luiz Carlos possui um
barzinho).
De vez em
quando, Maria do Piau aparecia com balde do peixinho na cabeça, e já salgado,
no ponto. Piaba com cuscuz é coisa do outro mundo de gostosura. Mas muita gente
preferia experimentar a carne de bode vendida na praça por Pedro Bola. Tudo
assim até que a Festa de Agosto fosse aproximando e logo a chegada de Seu João
Retratista, do engraxate Manezinho Tem-Tem, dos vendedores de colchas e roupas
de porta em porta, mas principalmente do parque. Saudade daqueles tempos de
parque.
Pontualmente,
às cinco da tarde, e a música “O Milionário” (Os Incríveis), anunciava o começo
das brincadeiras. Não demorava muito e o baile no mercado. Música para dançar
agarradinho. E de repente uma voz ecoava My Mistake (Pholhas). Era Boca Rica,
um cantor de Monte Alegre. Hoje mais conhecido como Pastor Heleno.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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