*Rangel Alves da Costa
São 14 km entre a sede do município de Poço
Redondo, no sertão sergipano, e a povoação ribeirinha de Curralinho. A estrada,
mesmo de chão batido e mais dificultosa em alguns pontos, está bastante convidativa
à locomoção. Um percurso curto, fácil de ser feito e prazeroso, pois em direção
às beiradas do Velho Chico, do Rio São Francisco que por ali passa e passeia
para deleite de todos.
Do Velho Chico em Curralinho sou amigo e
rotineiro visitante. E quando vou até lá, meu interesse, contudo, não se volta
apenas para as margens do rio e suas águas, os bares e as belíssimas paisagens,
mas também – principalmente - para o Curralinho histórico, povoação,
comunidade, local de moradia e sobrevivência de ribeirinhos simples, honestos e
irmãos sertanejos.
O Curralinho histórico é de uma grandeza sem
fim. Ali, pelos caminhos do rio, foi onde tudo começou. Num tempo onde o sertão
era de mata fechada, ainda sem qualquer penetração desbravadora, somente pelas
águas do Velho Chico era possível chegar às margens sertanejas. Os primeiros
desbravadoras chegaram pelo rio, ali desceram de embarcações, ergueram pequenos
currais (daí o nome “curralinho”), e somente depois adentraram os hostis
sertões.
Curralinho foi a primeira povoação surgida em
Poço Redondo. E surgida com ares de progresso, pois em suas margens toda a vida
econômica sertaneja começou a progredir. Era das margens curralienses que
chegavam e saíam embarcações abarrotadas de quase tudo. Chegava o açúcar, o café,
o tecido, a bebida, a novidade, e saíam os fardos de algodão, de peles, os
sacos de carvões, as caças e muito mais. Por isso mesmo que no passado
Curralinho teve comércio forte, moradias suntuosas, construções de belíssimas
molduras arquitetônicas.
Até mesmo Antônio Conselheiro, o místico e
mítico beato de Canudos, um dia, lá pelos idos de 1874, atravessou o rio e
fincou os pés em Curralinho para deixar suas marcas. Ao lado de seus fanáticos
e fiéis seguidores, logo deram forma de igreja a uma rústica construção numa
parte mais elevada da povoação, dando-lhe o nome de Igreja de Nossa Senhora da
Conceição, ainda tão viva e bela. Em seguida, tencionando ir aos rincões
baianos, o séquito do Conselheiro foi abrindo, em direção a atual sede de Poço
Redondo, a estrada que hoje leva o nome de Estrada Histórica Antônio
Conselheiro.
Com o passar dos anos, porém, o surgimento de
estradas cortando os sertões fez refrear a intensa movimentação pela beira do
rio. Curralinho foi perdendo sua força progressista, o comércio definhando,
muitos moradores preferindo fixar moradia na já desenvolvida sede municipal. E
desde então, com grande parte do comércio fechando suas portas, a povoação
ribeirinha se viu como que parada no tempo. O único contentamento encontrado
foi permanecer apenas como comunidade de pescadores e de donos de pequenas
embarcações fazendo transportes pelos arredores.
Até dói o que vou dizer, mas direi: se não
fosse o rio, a permanência do Velho Chico contornando o seu mundo, passando bem
defronte às suas moradias de calçadas altas, Curralinho já teria definhado de
vez. O que permitiu que Curralinho continuasse tão amado, tão querido e
visitado, foi somente o encantamento provocado pelas águas do rio. E que, mesmo
em épocas de magreza no leito, mesmo em períodos aonde o caudal não vai além de
uma finura lá embaixo, ainda assim possui o dom e a magia de chamar às suas
margens para o banho, para o vivenciamento de suas belezas.
Ainda assim, ainda que o Velho Chico possua
tamanho poder de atração em Curralinho, alguns fatores persistem em querer
afastar os visitantes e turistas. A povoação inteira vive como que abandonada,
a pobreza se alastra por todo lugar, as margens do rio são como pastos de
animais ou monturos para passeio de outros bichos. A sujeira afasta o banhista,
os bares insistem em ter somente o mesmo peixe de sempre (e nenhum prato
diferenciado), o lodo toma conta da beirada das águas e até enfeia a visão do
rio como um todo. E uma realidade bastante diferenciada, por exemplo, das águas
límpidas de Cajueiro ou das águas convidativas de Bonsucesso.
Seria fácil – e até justificado - preferir ir
outro destino de passeio e banho que não Curralinho. Mas tem gente que ama
aquele trecho de rio como se ao seu coração pertencesse. Tem gente que se
envolve de tal modo com aquele leito remansoso passando, aquelas serras e
montes e ao redor, aquelas margens com sua pequenas canoas, que não consegue se
afastar de sua vida, da vida do rio.
O mesmo amor que eu sinto por Curralinho e o
seu rio. Dói demais sentir o abandono por todo lugar, mas faz amar demais a
simples presença. O encanto, a poesia, a magia do rio. Não é só um rio, mas sim
um sentimento que vai curveando a vida.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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