*Rangel Alves da Costa
Ana Ferreira da Motta Costa é minha sobrinha,
filha de meu irmão Artime e de Aretusa, uma bela e introvertida jovem cujo
percurso no tempo parece totalmente dedicado aos estudos, ao acúmulo de
conhecimentos e ao alicerce da futura formação profissional. Daí que eu jamais
imaginaria que dos cadernos de Ana pudessem surgir escritos poéticos tão
primorosos e tão intensos, vez que expressando sentimentos que descartam o
romantismo para se voltarem à visão de mundo, de realidade e até de memórias
imaginárias.
Ao rabiscar seu caderno, creio que Ana
escreve pela idealização de um mundo, num entrelaçamento entre passado e
presente, deixando apenas a palavra fluir como se estivesse de porta aberta.
Daí não se preocupar com a perfeição métrica das estrofes, com a riqueza nas
rimas, com preciosismos estéticos nem com floreamentos nas palavras. Seu verso
é branco, sua rima é solta no pensamento. Contudo, o que mais instiga na poesia
de Ana é o senso memorialista, a reflexão sobre o mundo por ela vivenciado e a
busca do passado como forma de situar a realidade de agora.
A exemplificação de tudo isso, dessa
intensidade poética de Ana, está na poesia abaixo transcrita, intitulada São João e Lampião:
Os
conceitos que me vinham à cabeça quando chamada de nordestina,
o
primeiro um festejo que nunca havia entendido,
com
comida simples e estranhamente familiar,
os
vestidos coloridos que minha mãe me dava,
uma
dança em par que me constrangia.
o
segundo um herói,
não
pelos seus atos ou ideologias,
mas
pela força e frieza que demonstrava,
mesmo
abaixo do Sol escaldante do sertão.
eu
nunca me identifiquei com eles,
eu
não era animada e forte,
e o
calor excessivo me dava enjoo,
por
dentro, eu não era nordestina.
eu
fui para outros lugares,
por
pouco tempo,
mas
com esperança de me encontrar,
de
achar um lugar para me construir,
e
mesmo encontrando livrarias e museus incríveis,
eu
só me sentia segura e compreendida quando chegava em casa;
em
Sergipe,
no
litoral de Aracaju
e no
sertão de Poço Redondo.
talvez
eu realmente nunca encontre alguém que pense igual a mim,
que
depois dos 15 tenha começado a amar o cheiro do milho,
a
tentar observar como Walt Whitman,
a se
permitir sentir como Sylvia Plath,
a
tentar representar força no meio da fraqueza emocional,
quase
como Lampião.
mas
eu também percebi que esse nunca foi meu real objetivo.
Conforme se percebe, a poesia de Ana é
realmente diferenciada. Não é uma poesia para florir corações nem devaneios
romantizados. É para sentir a força de sua palavra como sentimento de mundo,
onde uma tradição (como o São João nordestino) se une à história (na memória de
Lampião), bem como sua moradia sentimental (Sergipe e Poço Redondo) encontra a
força introspectiva e solitária da poesia de Whitman e Sylvia Plath, para caracterizar
seu pensamento e suas transformações perante as realidades vivenciadas.
Mas em Ana também a feição memorialista e
sentimental que faz recordar a poesia de Cora Coralina, cujo prenome também era
Ana. Em Vintém de Cobre: Meias Confissões
de Aninha está escrito: “Que procura você, Aninha? Que força a fez
despedaçar correntes de afetos e trazê-la de volta às pedras lapidares do
passado? Sozinha, sem medo, vinte e sete anos já passados... Meu vintém
perdido, meu vintém de felicidade”.
Por isso mesmo que Ana, a nossa Aninha, diz
que mesmo com quinze anos e após conhecer museus e distantes cidades, enfim
começou a gostar do cheiro de milho, a compreender o mundo rústico ao redor, a
se deliciar com o cheiro de relva. Mesmo que não fosse esse o seu objetivo,
está encontrando seu vintém de felicidade.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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