*Rangel Alves da Costa
Como já dizia o Coronel Tibúrcio Tertuliano
nos tempos idos, assim que se aboletava na sua cadeira de balanço de varanda e
poder, nada melhor que reinar em meio a um povo esquecido. E ajuntava: Aquele
Euclides estava errado. O sertanejo não é antes de tudo um forte, mas antes de
tudo um povo esquecido. E quem não tem mente para o passado não pode conhecer o
presente, eis que tudo uma boiada num caminho só.
Jamais reconhecerei sua patente, mas não
posso deixar de dar razão ao coronel. O sertanejo é um povo esquecido mesmo.
Não só esquecido como alheio à sua realidade, até mesmo ausente do chão onde
pisa. O viver para o momento o torna, além de alheio perante a realidade
passada, também um descompromissado com o presente. Ora, acaso não volte seu
olhar às raízes, às promessas, ao que ainda não foi feito por completo, ou
sequer terá como reconhecer a si mesmo.
Nascer, crescer e viver num determinado lugar
não significa muito se a pessoa não reconhece o seu berço e tanto faz ter
nascido ali como noutro lugar. Deve haver um compromisso umbilical entre o
sujeito e o seu chão, e ajuste este que envolve o conhecimento não só dos
antepassados como da realidade presente. É como se um livro tivesse que estar
sempre aberto para que jamais se afaste tanto das lições como dos novos
escritos.
Com efeito, o sertão é desconhecido pelo
próprio sertanejo. Não na generalidade de seus habitantes, mas grande parte
pouco ou quase nada conhece de sua história, sua saga de lutas, sua geografia
diferenciada, sua imensa riqueza cultural, as manifestações e tradições
próprias de seu povo. Não conhece as raízes, olha para o passado somente até
onde vão seus avôs e sequer possui a devida preocupação com o presente e os
destinos de sua nação encourada.
Os mais velhos ainda cuidam de sua história,
de sua memória, daquilo que lhe fez proveito. Muitas vezes, seus instantes
presentes nada significam senão o espelhamento do passado. De seus presentes
apenas fazem a devida comparação. Então dizem que antigamente era assim, que
tudo era diferente e nada sequer parecido com a realidade de agora. Convive com
o novo, mas sem jamais se esquecer daquilo que lhe acompanhou ou foi de
serventia na caminhada. Porém nem todos de mais idade são assim, vez que muitos
se declaram desapartados do tempo e até se negam a recordar.
Com os mais jovens, então tudo se deslancha
mesmo. Para a maioria dos jovens, o ontem já passou e nenhuma valia terá
recordar. Para estes, o passado é coisa tão velha que poderá até envelhecer se
olhar pra trás. E assim se descompromissam totalmente com a realidade de sua
cidade, seu município ou sua comunidade, pois apenas existindo sem ao menos
saber de onde veio, quais as profundezas de suas raízes e de onde vem sua história.
Jamais deveria ser assim. Mas também culpa
das escolas que não ensinam como deveriam ensinar. E assim porque há o repasse
de conteúdos gerais sem haver a mínima preocupação com a história ou geografia
local. Datas importantes, percursos de lutas, figuras ilustres, como o povo foi
gestando na comunidade, como se deu a formação da povoação, nada disso parece
ser importante para ser ensinado como conteúdo escolar. Então os alunos entram
e saem da escola sem conhecer a realidade de seu próprio mundo.
Por isso mesmo que o sertão, lugar de tantas
lutas, tantas histórias e tantas vultosas memórias, está ficando cada vez mais
desconhecido, e para o seu próprio filho, o sertanejo. Não se valoriza mais
nada. Manifestações culturais e tradições culturais, ao invés de serem
permanências no povo, tornaram-se objeto de pequenos grupos, que pelo viés
artístico ainda propagam suas existências. Não interesse sequer em saber como
sua povoação foi fundada, como se deu a povoação até chegar ao presente, como
tudo se encaminhou para se achegar onde chegou.
Por isso mesmo que não há mais autêntico
forró-pé-de serra, não há mais brincadeiras noturnas, não há mais ciranda,
cavalo de pau ou boneca de pano. As tecnologias surgidas foram trazendo consigo
o dom de apagar o passado. E, como um quadro de giz, o sertão e sua história
vão sendo apagados a cada dia. A moda é o modismo, o sertanejo vive segundo os
ditames televisivos ou dos grandes centros urbanos. Muitos até renegam suas
origens e se transmudam para o mundo que não é seu.
E o preço de tudo isso é sempre cobrado em
dobro. Gerações inteiras alheias ao seu mundo e forjando realidades que não são
condizentes com sua própria realidade. No intuito de querer inovar demais ou
querer ser outro a todo custo, outro futuro não haverá senão o de serem
engolidos pelo nada. O abismo do nada que aguarda a todos.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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