*Rangel Alves da Costa
Perante o meu olhar, uma fotografia do Rio
São Francisco e suas beiradas, com algumas embarcações e um leito raso de água.
Lá em Bonsucesso, povoação sertaneja em Poço Redondo. Mas poderia ser em
Curralinho, em Cajueiro, em Jacaré. Aquele que avista a fotografia logo se
enche de encantamento. Não poderia ser diferente, pois tudo emoldurado numa
beleza poética sem igual.
O Velho Chico, mesmo padecente como de vez em
quando se mostra, assim tão magro e tão ossudo, com suas veias esvaídas, não deixa
de encantar o seu beiradeiro e o seu visitante. Logicamente que o beiradeiro
sofre, lamenta e chora quando seu rio parece pouco demais e passando sem vida,
e principalmente se puxar da recordação e relembrar outros tempos, nos idos de
antigamente, que tanto rio como a ribeira d’água era uma festa só.
Um rio rico de outrora. Grandes embarcações
chegando e partindo, carrancas apontando nas curvas, afastando os maus
espíritos das águas, e pedindo passagem rumo aos portos. Sacos de açúcar, de
farinha, de biscoitos, de carne seca, de sortimentos. E á na beirada, pronto pra
ser embarcada a lenha, os fardos de algodão, um carregamento de peles, as
produções ribeirinhas e sertanejas. E nas calçadas altas - e assim tão altas
por causa das constantes cheias -, as pessoas sentadas em cadeiras para o
maravilhamento perante aqueles momentos.
Hoje o rio já não é aquele rio. Corre no
mesmo lugar, faz curva entre as mesmas serras, vai cortando o mesmo caminho
entre as beiradas, mas perdeu sua pujança de outrora. A pujança da água muita,
da largueza do espelho d’água, do peixe em profusão para a tarrafa e a rede.
Pelas margens, na sonolência dos dias, os barcos e as canoas repousam na
esperança de dias melhores. Contudo, há uma magia no rio que nada parece
afastar. Seja de água muita ou rasa, o rio continua apaixonando tanto o
visitante como o povo ribeirinho.
Logo o espírito e alma bebem da magia do
alvorecer e do entardecer. Verdadeiramente não há cenário mais mágico e
cativante. Contudo, seria preciso avistar além da moldura para adentrar nas
raízes do próprio rio, de seu meio e de seu habitante. A pintura de cores vivas
se mostra apenas uma aparência. Há, na alma do rio e do seu povo, um âmago
tomado por sensações muito diferentes daquelas tidas apenas pela visão do
cenário.
É um rio que sofre e um povo que sofre, é um
rio que pranteia e um povo que chora, é um rio que vai se exaurindo nos braços
aflitos de seu ribeirinho. Somente quem vive o dia a dia conhece a real
situação. Somente quem nasceu e se criou nas suas beiradas conhece a dor da
saudade de um passado de águas grandes, piscosas, cheias de vida e de
embarcações. Hoje há apenas um leito. E quase de morte. Os vapores não passam
mais, os navegantes seguiram outro porto. Cadê o surubim, há de se perguntar.
Tudo passou, tudo seguiu na curva do rio. E nas
beiradas ficou o seu habitante, o beiradeiro, o ribeirinho. Aquele que sorri no
olhar e chora no coração.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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