*Rangel Alves da Costa
Dizem que
o papagaio de Dona Zefa da Guia já rondava aquelas paisagens sertanejas antes
mesmo do surgimento do quilombo no alto da Serra da Guia.
O Quilombo
Serra da Guia, no município sertanejo de Poço Redondo, surgiu como reduto
escravo em tempos já muito idos. No tempo da escravidão, os negros fugitivos
fizeram refúgio no alto de uma serra alta, chamada de Serra da Guia.
E o
papagaio de Dona Zefa, no voo incerto que fez, foi parar exatamente no alto
daquela certa, como por outras serras já havia passado e repousado desde os
arredores das aldeias indígenas às senzalas de açoite e chibata.
Sua
chegada ali se deu nesse percurso papagaiado. Coisa pra mais de trezentos anos,
ou mais até, pois há uma conversa dando conta que ele chegou num dos navios do
descobrimento do Brasil.
Assim que
se viu em terra, pulou do umbro do português e fez voo sem direção, vindo parar
nestas distâncias. O marinheiro tudo fez para recuperá-lo, mas o louro até
zombava de seu algoz. Queria mesmo a liberdade e assim foi voando, voando,
voando...
Quando
Dona Zefa nasceu o papagaio já era tido como velho na casa, mas o tempo foi
passando e ele só na dele, como um Matusalém das caatingas. E bote Matusalém
nisso, vez que ele mesmo dizia que já havia sido muitos naquele mesmo corpo de
papagaio.
Depois
Dona Zefa levou o louro para sua companhia e até hoje o danado se mostra ativo.
Ativo e famoso. Não tanto quanto a sua
dona, ainda assim muito afamado. E por várias razões.
Parecendo
eternamente repousando perto da cumeeira entre a sala da frente e a entrada das
demais dependências da casa antiga, o louro famoso vive ali à espreita de quem
passa pela frente, quem chega chamando, quem entra e quem sai.
Mas que
ninguém se atreva a chamá-lo de fofoqueiro, pois ouvirá uma resposta tão
desbragada que é melhor nem citar. Todo dia sua dona reina com ele, mas não tem
jeito. O motivo dos xingamentos de Dona Zefa não é outro senão a língua solta e
ferina demais do papagaio.
Chega
mulher barriguda na porta e ele logo diz: “De novo? Mas não é possível que você
só leve a vida a fazer menino, pois todo dia tá aqui dizendo que tá perto de
parir. Feche essas pernas, muié!”.
Ouve-se
dizer que certa feita chegou um afeminado e cheio de trejeitos batendo palma e
chamando Dona Zefa, certamente em busca de alguma reza para curar um mau olhado
ou coisa parecida. Mas o papagaio disse assim que avistou: “Nem venha que não
tem. O seu negócio não tem reza que dê jeito. Mas uma boa surra de cansanção
talvez fizesse você se endireitar um pouquinho”.
Acaso
chegue um com cara de doente, então ouve do danado: “Nem precisa Dona Zefa
rezar, eu já sei o seu mal. Vá trabalhar e deixe de tomar cachaça que fica
bonzinho!”. E de repente se ouve, ante a chegada de alguém que ele não gosta:
“Dona Zefa não está, pode voltar, chispa daqui...”.
Aí vai Dona
Zefa e grita de lá de dentro dizendo que está, e então o papagaio vira numa
fera: “Deixe de ser mentirosa, a senhora não tá não!”. E assim o papagaio vai
fazendo fama.
E se acaso
você for até a Guia visitar Dona Zefa, então torça pra que o louro se agrade de
sua chegada. Do contrário será, no mínimo, chamado de feio e convidado a se
retirar. Assim mesmo, na cara de pau.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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