SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 20 de novembro de 2019

PEGA-DE-BOI



*Rangel Alves da Costa


Falar em pega-de-boi é dizer da valentia e galhardia do vaqueiro nordestino em cima de cavalo bom e no encalço apressado do boi adestrado pra não se entregar, pra não deixar ser derrubado pelo rabo.
Mas a história disso tudo vem de longos caminhos. Na região nordestina e sertaneja, sempre foi costumeiro a cria de gado solto. Nos tempos mais antigos, o gado era solto numa vastidão de caatinga sem fim.
Tamanhas eram as propriedades, os chamados latifúndios, que os rebanhos pareciam sumidos nas “soltas” e entre mandacarus e xiquexiques, baraúnas, catingueiras e aroeiras.
Como os donos das grandes propriedades não iam muito além das varandas e arredores de seu casarão ou moradia de mando, a juntada dos bichos passou a ser ofício do vaqueiro.
Ante o fato de que muitas propriedades não serem cercadas e os rebanhos serem criados em conjunto com outros proprietários, escolhia-se um período para fazer as apartações, onde vaqueiros entravam no mato para reunir os rebanhos segundo seus donos.
Eram verdadeiras festas, então chamadas de festas de apartação. Mas como nem todo boi e toda vaca era fácil de ser juntado, vez que arredios e valentes demais, então os homens pegavam seus rastros e seguiam em seus encalços.
Vaqueiros em seus potentes cavalos vencendo os perigosos labirintos da mata para encontrar os rebanhos desgarrados. Um atropelo danado, com cavalo brabo e boi mais brabo ainda.
Contudo, nem sempre se ia atrás de rebanhos, mas apenas de um ou dois animais afastados nos grotões e escondidos catingueirentos. Os bichos saem, pastejam, vão adiante, se escondem.
Bichos tão valentes, atrevidos e difíceis de serem alcançados, que logo surgiram prêmios para aqueles que conseguissem enfim encontrá-los e derrubá-los. Daí o nome de pega-de-boi no mato.
 
Um nome, aliás, que vem de vaca, aquela que cuida da vaca, que tange boiada ou junta o rebanho no pasto ou no curral. Da vaca o vaqueiro, do vaqueiro a vaquejada. De cavalo a cavalgada.
Diferente da pega-de-boi no mato é a corrida de mourão, onde a corrida ao boi é feita em locais fechados, parques de vaquejadas ou nas malhadas das fazendas.
Na corrida de mourão, geralmente há uma um local determinado (ou faixa) demarcando até onde o boi deve ser derrubado.
Tanto na pega-de-boi no mato como na corrida de mourão, diversos prêmios (em dinheiro ou troféus) são distribuídos entre os vaqueiros vencedores.
Não há que duvidar, contudo, que nenhuma modalidade de vaqueirama é mais autêntica e abnegada que aquela exercida pelo vaqueiro de pega-de-boi no mato. E muito mais que o vaqueiro de corrida de mourão.
O vaqueiro da pega-de-boi no mato não pratica seu esporte por boniteza ou simplesmente almejando um prêmio.
O seu troféu maior está no prazer de selar seu cavalo, colocar seu terno de couro, paramentar-se de homem da mata, e adentrar na caatinga atrás do bicho, ou ir ao encalço do valente desde que ele é solto soltando fumaça pelas ventas.
Sabe dos perigos que rondam, sabe das pontas de paus e espinhos certeiros que poderá enfrentar adiante, sabe da valentia do boi, sabe que o sangue e a dor logo lhe poderá fazer companhia, sabe que até pode não retornar da pegada.
Sabe de tudo isso, mas sua valentia e seu destemor não o deixam recuar. Seu objetivo maior é alcançar o bicho, pegar no seu rabo e torcer, até que o chão se abra com a queda do animal.
A poeira cobrindo, as folhas espalhadas, os pés de paus retorcidos, e o vaqueiro domando o valente. Não há prazer maior que isso. E não há vaqueiro mais autêntico e verdadeiro que aquele da pega-de-boi no mato.
E Poço Redondo, sertão sergipano, tem demais. Poço Redondo é celeiro maior desses abnegados, verdadeiramente devotados à vida vaqueira. E que bom que seja assim. A preservação de uma cultura que cheira a couro, a suor e a sertão.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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