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segunda-feira, 20 de junho de 2016

AS PRIQUITINHAS TOMAM CONTA DA CIDADE


*Rangel Alves da Costa


Inegavelmente que a maioria das tradições juninas vem rareando ou sumindo de vez. Quase ninguém mais se torna compadre ou comadre após o compromisso firmado ao calor da fogueira. O São João da roça nem sempre é ao som da sanfona. Até as quadrilhas perderam seu simbolismo matuto para se transformar em profusão de alegorias e adereços. Dos usos caipiras restaram apenas as chinelas de couro: as famosas e atraentes priquitinhas.
Vindas de outros estados, apertadas em sacos por cima de caminhões, em bagageiros de veículos, amarradas em cordames, num sacrifício danado, mas a verdade é que as priquitinhas chegaram e tomam conta da cidade. E já podem ser facilmente encontradas nas esquinas, nas calçadas, pelos arredores do centro comercial, por todo lugar. Novinhas, bonitinhas, bem trabalhadas, são um apelo aos olhares com elas acostumados neste período junino.
Calçado tipicamente caipira, de couro matuto curtido ao sol, a chinela simples vai ganhando forma pelas mãos de humildes artesãos espalhados pela região nordestina, principalmente Pernambuco, Bahia e Alagoas. Em Sergipe também há grande produção, mas geralmente para o mercado interno e não para exportação ou revenda em grande quantidade noutros estados. Leve, com tirinhas finas, de preço acessível, é calçado sempre presente no dia a dia do período junino.
Há regiões nordestinas verdadeiramente especializadas na sua produção. Destas, os vendedores se deslocam para outros estados e de repente já estarão tomando as ruas com pencas e mais pencas de priquitinhas. Tão grande é o número de ambulantes que muitos se acumulam pelas mesmas esquinas. É assim que Aracaju se vê como invadida, algo como uma invasão das priquitinhas.
Mesmo que pelos mercados existam montes de tais chinelos, os ambulantes chegam com tamanho alvoroço que mais se assemelham a um modismo televisivo. E um amigo já afirmou que o número de priquitinhas pelas ruas é tão grande que daria dois pares para cada pé aracajuano. Não há esquina ou lugar que não se encontre um forasteiro com uma penca inteira de couro cru de todos os tamanhos.
Os vendedores são quase todos forasteiros, oriundos de Caldas do Jorro, no município baiano de Tucano, bem como de Caruaru, em Pernambuco, além de outras localidades especializadas em tal produção. Mesmo que neguem, em muitas situações se percebe que ao invés de couro é utilizado um similar sintético. A percepção se torna maior quando a priquitinha não exala aquele cheiro tão conhecido.
Mas por que esse nome em um chinelo de couro cru? Sem adentrar em detalhes, por mera alusão, por analogia e criatividade popular. Como toda sandália feita de couro cru e sem processo industrial posterior, com envernizamento e tingimentos, o chinelo junino sai do coureiro e por onde vai leva consigo um cheiro peculiar, de couro mesmo, logo reconhecível. Somente com os muitos usos é que o cheiro vai sumindo - ou sendo assimilado -, para retornar ainda mais forte quando molhado.
É neste sentido que surgem os dizeres ora em tom de brincadeira ora por pura malícia. Então afirmam que a moça molhou a priquitinha e espalhou todo o cheiro pelo salão. Ou ainda que o cheiro de priquitinha molhada se sente de longe. Mesmo com a leveza, simpatia, preço baixo e praticidade da chinela matuta, muitas pessoas deixam de adquiri-la precisamente pelo cheiro forte e pelas alusões que são feitas a seu respeito. Uma minoria, porém, vez que a grande quantidade de vendedores pelas ruas logo demonstra a sua ampla aceitação. Quer dizer, quase todo mundo quer ter uma priquitinha.
Não há que duvidar que o nome da sandália tivesse surgido mesmo de forma mal intencionada. Mas de qualquer modo não há São João ou São Pedro sem priquitinha e não há festança do mês onde ela não seja avistada, cheirando ou não, moldurando os pés nordestinos. Todo nordestino conhece e gosta de usá-la, principalmente por possuir a feição caipira apropriada ao período junino e ser muito mais leve que as autênticas “aprecatas” de couro cru.
 Então, se a intenção é brincar no mês junino, de chinelar pelos salões ou caminhar por aí em busca de balões e fogos traçando os céus, nada melhor que calçar uma priquitinha e se sentir prazerosamente confortável. Mas tendo o cuidado de se proteger quando a chuva cair ou não pisar em poça d’água, pois todos os salões ou aglomerados sentirão a presença pelo cheiro e não pelo perfume. E a priquitinha chamará mais atenção do que a própria pessoa.
De chinelo no pé e disposição pelo corpo, resta somente brincar e se divertir na festança junina. Acaso retorne solitário como saiu, dizem que colocar a priquitinha para passar a noite na janela é um santo remédio. Ela tem o dom de chamar o que a pessoa desejar. Uns dizem que é pelo cheiro, outros dizem que é pelo nome.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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