SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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quarta-feira, 22 de junho de 2016

DOR DE SAUDADE


*Rangel Alves da Costa


Sim, a saudade dói. E não somente dói como atormenta, angustia, aflige, tortura, fere, desanda tudo por dentro e por fora, principalmente no olhar de revoltoso mar.
Sim, como dói a saudade. A pessoa pensa estar feliz, sorridente, cheia de levezas no corpo e na alma, e de repente a calmaria se transformando em voraz tempestade.
Sim, quanto dolorosa é a saudade. O barco da paz desanda e as ondas bravias querem afundar esperança e vida. No norte das águas profundas, ao mais profundo que houver.
Sim, dor de saudade dói demais. O corpo esmorece, afogueia febril, parece tomado de espinhos. A face se retorce de dor e o olho aperta, retrai-se para depois despejar sofrimento.
Sim, o doer da saudade é como açoite sem chicote, punhalada sem corte, tortura sem tronco. Ainda assim escraviza de tal forma que o ser se ajoelha implorando clemência.
Sim, como dói a saudade. Como faz falta a presença, a visão, o compartilhamento, o toque, o afago, o carinho, o sentir a proximidade como a beleza mais duradoura que existe.
Sim, quando a saudade dói, tudo dói. Não há remédio para o que não é doença, e sim um mistério do ser, da alma, do coração: a distância ou a ausência, o querer sem ter.
Sim, dor de saudade não se cura com chá, porção, comprimido, injeção ou repouso, somente com a presença. Mas como nem sempre é possível, então tudo dilacera por dentro.
Sim, a saudade talvez não mate como uma doença comum, mas definha e faz sucumbir. Entristece a alma, esvazia o olhar, aflige o coração, e tudo vai se esvaindo.
Há uma saudade chamada banzo que bem sintetiza suas trágicas consequências. Nos navios negreiros, de repente o escravizado ia se afundando em melancolia: saudade da terra.
Quanto mais distante da terra, quando mais a saudade apertava, mais ele iniciava um silencioso martírio. Chorava em silêncio, sofria em silêncio, não comia, não bebia. Morria.
Sim, o negro escravizado morria de saudade. Nem precisava do ferro, do tronco, do fogo, do grilhão, bastando que na viagem sentisse que nunca mais retornaria ao seu rincão.
Viúvas também morrem de saudade. A dor da perda é tamanha que muitas não conseguem assimilar a morte como algo inevitável na vida do ser humano. Nega-se a aceitar.
Não bastassem as tristezas, as dores, os sofrimentos, as lágrimas, também o luto perpétuo. Vestem-se de preto não como simbologia da perda, mas porque também morreram.
Sim, para muitas, nada mais existe que lhes dê alegria, traga contentamento ou felicidade. Nada mais faz sentido, nada mais interessa, senão sofrer e sofrer, e assim definhar.
Em muitas, o luto é, assim, a própria morte ainda em vida. A saudade é tanta que uma prece não adianta, uma vela acesa não faz efeito, uma missa nada significa. Quer a presença.
Como é impossível fazer renascer aos mesmos braços quem da terra partiu, então procuram encurtar, através da dor e do sofrimento, o encontro imaginado para acontecer.
Outro dia, eu avistei um título muito interessante numa crônica: “Ter saudade é usar o vestido que a mãe vestia no dia que morreu”. E também sentar na mesma cadeira de balanço.
Mas creio que a saudade, ou a verdadeira saudade, nada tem a ver com aqueles voos de pensamento quando o enamorado está distante daquela que diz ser seu eterno amor.
E assim por que a saudade possui raiz tão profunda, está encravada em motivos tão fortes, que será preciso uma parte ser arrancada da outra para que necessite ser reencontrada.
A verdadeira saudade nasce de uma perda irreparável. Uma morte, um vazio preenchido na dor. Nasce daquilo que faz falta ao que o coração enraizou e aprendeu a amar.
Também justa é a saudade daquilo que o tempo foi transformando em necessária presença. Sente-se saudade de um amigo distante, até de uma pedra que foi levada do lugar.
Mas vontade de presença, de ver, de sentir, é diferente de saudade. A presença acaba suprindo a espera. Mas a verdadeira saudade já é sentida antes mesmo de uma partida.
E quanto parte tudo dilacera, dói, faz sofrer. E quando eterno o adeus, então a saudade pode mesmo se transformar em mão que se estende pedindo para ser levado também.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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