*Rangel Alves da
Costa
Quando o
tempo era de mais paz, quando as praças podiam ser tomadas de visitantes, então
eu costumava seguir até os canteiros silenciosos para observar a pujança das
velhas amendoeiras ao redor. Eu ficava ao redor de uma praça tomada de grandes
árvores, sobressaindo-se as amendoeiras com suas folhas vistosas e belas.
Observando
aquelas frondosas árvores, com cada uma contando com mais de cem anos ali
enraizadas, logo me veio à mente o quanto suas copas, suas folhagens e
sombreados, foram testemunhando ao longo de tantos anos. Tudo passando, tudo se
transformando ou simplesmente desaparecendo, e elas ali ainda tão imponentes.
A praça é
uma das mais antigas. Antiga e relegada ao esquecimento, como se as praças
necessitassem apenas de árvores centenárias e canteiros cortando os seus
percursos. Por que os arvoredos não precisam de constantes reparos, então também
descuidam das gramas e de outras árvores menores. Não há mais bancos, os
córregos secaram e os caminhos internos se tornaram perigosos demais.
Noutros
idos, quando ainda era cuidadosamente preservada e constantemente embelezada,
ainda era possível encontrar resquícios de fontes, pequenos córregos, canteiros
floridos e até um pequeno jardim zoológico. As famílias por ali passeavam, os namorados
se encontravam, era até um deleite espiritual estar lentamente caminhando pelas
suas diversas opções, principalmente ao redor da pequena ponte e seu silêncio
entrecortado por um ou outro canto passarinheiro.
Nas festas
de final de ano, principalmente na época natalina, a praça se transformava numa
verdadeira festa. Parques de diversões eram instalados, o carrossel chegava
como verdadeiro encantamento, barracas vendiam de tudo, doceiros e pipoqueiros
ofereciam aos visitantes desde maçãs do amor a coloridos e cativantes algodões
doces. Cachorro quente, pipoca colorida, churros e tudo o mais. Uma diversão
segura, acolhedora e barata a todas as famílias e seus pequenos brincalhões.
Hoje a
praça não dispõe de um banco sequer debaixo das sombras. Os pombos ainda são
muitos, mas não se pode mais sentar ao entardecer para observar seus rasantes,
seus encontros catando restos pelo chão e seus voos de partida. Não há como
sentar para a leitura de um livro, para um instante de silêncio e meditação,
para uma palavra amorosa com alguém querido. Apenas os vazios tomados por
estranhezas, por pessoas que passam sem tempo de apreciar o que ainda resta.
Mas não
resta muito. Lar de árvores centenárias, desde longe são avistadas com suas
copas e folhagens derramadas sobre as tristezas do presente. Murmurando velhas
canções ao sabor do vento, ali repousam antigas, talvez já cansadas, esperando
as estações para mudarem seus semblantes, cores e formas. Os canteiros abaixo
estão sempre tomados de suas folhas caídas na ventania, mas é no outono que os
tapetes se alastram com seus ocres, vernizes, marrons e acinzentados.
Uma
paisagem tão bela como melancólica. As folhas grandes vão caindo e se deitam
umas sobre outras, como velhos escritos que vão se acumulando pelas salas de um
poeta triste. Talvez não sejam apenas folhas mortas, outonais, mas verdadeiras
páginas que se desprenderem dos galhos e trazem consigo memórias escritas de
outros tempos, de uma nostalgia guardada em lenços molhados. As folhas das
amendoeiras caindo como livros abertos e que desejam leituras. Ler o passado
através da recordação.
De vez em
quando faço do entardecer um reencontro com aquelas velhas amendoeiras. A cada
passo e a cada olhar é como se estivesse diante de um livro antigo, cujas
folhas amareladas vão contando histórias de outros tempos. Ali, debaixo
daqueles sombreados, ao farfalhar da ventania, os testemunhos tantos de um
tempo muito mais humano e singelo. Hoje também testemunha as transformações, os
novos dias, mas sem aquele olhar gracioso que antigamente se estendia sobre o
bucolismo apaixonante.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário